por Eliane Cantanhêde O ESTADO DE SÃO PAULO
Nenhuma
expressão poderia resumir com tanta propriedade a guerra entre a
presidente Dilma Rousseff e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha: é um
típico, claro, evidente e perigoso abraço de afogados. O mar não está
para peixe, nem para Dilma, nem para Cunha, e o resultado não é uma
crise entre pessoas, mas uma crise institucional.
Dilma está com água batendo no pescoço: além dos ameaçadores julgamentos
do TSE e do TCU, ela enfrenta popularidade abaixo de 10%, rejeição
perto dos 70%, a economia esfarelando, 345 mil vagas fechadas no
semestre, falta de liderança política, erros crassos de administração e a
indecisão até do próprio partido dela, o PT.
Quanto a Cunha: ele é exímio nadador em águas profundas e turvas, mas
afunda sob o peso das investigações do Ministério Público, da Justiça e a
Polícia Federal e não consegue emergir das revelações de um lobista,
Júlio Camargo, e de um doleiro, Alberto Youssef, de que pedia propina de
milhões de dólares por contratos na Petrobras, pobre Petrobras.
O que Dilma Rousseff e Eduardo Cunha têm a ganhar com uma guerra desse
tamanho? Nada. A situação da presidente da República não vai melhorar um
milímetro, mas pode piorar quilômetros. E a reação do presidente da
Câmara demonstra evidente desespero. Sempre tão frio, tão calculista,
ele agora se debate aflitivamente sem vislumbrar terra firme.
Dilma vê escapulir pelas mãos não apenas o apoio do presidente da
Câmara, mas a aliança com o fundamental PMDB. Por todas as manifestações
da cúpula pemedebista, o rompimento é uma possibilidade real. No
mínimo, vai custar muito caro para o Planalto manter o PMDB na base
aliada. Como aprovar o que quer que seja no Congresso sem o PMDB? Como
finalizar o que resta de ajuste fiscal já tão capenga? Como sobreviver
às CPIs da Petrobras, do BNDES e dos Fundos de Pensão?
E Cunha, com Dilma ou sem Dilma, corre vários riscos: o de acordar antes
das 6 horas da manhã com uns sujeitos parrudos e de colete preto com as
letras P e F fazendo busca e apreensão na sua casa com autorização do
Supremo Tribunal Federal; o de seguir o mesmo caminho do ex-tesoureiro
do PT João Vaccari Neto e de tantos outros e ir parar em alguma
carceragem por aí; e o de perder a presidência da Câmara. Como bem
lembrou o deputado governista Sílvio Costa (PSC-PE), Severino Cavalcanti
caiu por muito menos – milhões de zeros a menos.
A única coisa que faltava na crise entre o Poder Executivo e o Poder
Legislativo era o Poder Judiciário meter a colher. Não falta mais. No
dia do rompimento, o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, veio a
público pedir equilíbrio e moderação. O tom foi correto, mas o gesto, em
si, só confere mais gravidade e dramaticidade ao momento político. (Sem
falar que Lewandowski comprou a versão do governo de que a crise
econômica é resultado da crise internacional de... 2008!)
E assim chegamos às duas semanas de recesso parlamentar, com o
presidente da Câmara dos Deputados rompendo estrepitosamente com um
governo de quem nunca foi aliado, o presidente do Senado Federal se
fazendo de sonso, mas apoiando novas CPIs contra o governo, o presidente
do Supremo Tribunal dizendo que é preciso muita calma nessa hora e a
presidente da República rechaçando “aventuras antidemocráticas” em
reunião do Mercosul abrilhantada por Nicolás Maduro. Ah! E com Lula
investigado por tráfico de influência internacional.
Seria cômico, não fosse trágico, porque, enquanto o mundo político
discute se Eduardo Cunha voltará mais forte ou mais fraco do recesso e
se o rompimento vai favorecer ou dificultar o impeachment de Dilma, os
brasileiros seguem perplexos e perdendo emprego, renda e crédito. O
abraço de afogados de Dilma e Cunha arrasta junto os Poderes, as chances
de o Brasil sair da crise e o fiapo de credibilidade que resta ao País.
Quem paga o pato? Os de sempre. Poucas aventuras poderiam ser tão
antidemocráticas.
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