por Ruy Fabiano
Dilma se empossa num ambiente de insegurança e suspeita, com seu próprio mandato condicionado às investigações que diz promover
A diferença entre palanque e tribuna é que, no primeiro, vale tudo (ou
quase tudo): promessas irresponsáveis brotam no calor da emoção (ou do
mais cínico pragmatismo), sem que se cobre do orador a viabilidade do
que promete.
Cabe ao eleitor fazê-lo – e isso lhe exige o que, em regra, não tem:
informação e algum grau de sofisticação política para separar o joio do
trigo. Num eleitorado sem esses atributos, como é majoritariamente o
nosso, fica-se com o joio e dispensa-se o trigo.
Prevalece e triunfa a ilusão, que, no entanto, em algum momento, terá de
ser desfeita. E isso ocorre (deve ocorrer) quando se ocupa a tribuna – a
presidencial, sobretudo. Ali, não há espaço para conversa fiada. É a
hora da verdade.
A posse de Dilma Roussef deu-se no palanque. Era ainda a candidata que
falava, ao prometer ajuste econômico sem prejuízo das ações sociais. Não
disse como; apenas prometeu. Desprezou o fato de que algumas benesses
sociais já estão sendo cortadas, na área previdenciária (pensões de
viúvas) e na assistência social (seguro-desemprego).
Fez uma avaliação extremamente positiva de seu primeiro mandato,
debitando as dificuldades à crise internacional. No entanto, admitiu que
o povo quer mudanças, não explicando por quê, se tudo, afinal de
contas, foi muito bem feito e os resultados são ótimos. Em time que está
ganhando, diz a sabedoria popular, não se mexe. Só se mexe quando se
está perdendo – sobretudo de goleada.
A mesma lógica tentou aplicar à crise na Petrobras. Apontou “predadores
internos” e “inimigos externos”, sem associá-los a seu próprio partido e
à base aliada, de onde já se identificou o núcleo da organização
criminosa que dilapidou a empresa, fazendo com que desabasse do quinto
lugar no ranking mundial para o 120º.
Insistiu em dizer que seu governo e o de Lula foram os que mais
combateram a corrupção, apoiando as ações da Polícia Federal e do
Ministério Público. Nem a Polícia Federal, nem o Ministério Público,
instituições do Estado, carecem de apoio do governo para agir. Têm sua
ação garantida por lei.
Em momento algum, como se sabe, o governo manifestou entusiasmo com as
investigações. Basta ver o que o PT fez com Joaquim Barbosa - e, agora,
repetindo a manobra, põe em cena, contra o juiz Sérgio Moro, que conduz
as investigações do Petrolão, a máquina de triturar reputações.
Veja-se também o que foi feito em relação à CPI da Petrobras, sabotada
pelos parlamentares da base aliada desde o início. O grande combate que o
partido da presidente Dilma deu à corrupção foi praticá-la num grau de
intensidade tal que nem mesmo a imensa tolerância da sociedade
brasileira foi capaz de suportar.
Supunha-se que o Mensalão era o maior escândalo da história republicana
brasileira – assim pelo menos a ele se referiram, quando do julgamento, o
então procurador da República, Roberto Gurgel, o relator Joaquim
Barbosa, e os ministros Ayres Brito e Celso de Mello.
Eis, porém, que, no momento mesmo em que aquele escândalo estava sendo
julgado, a Petrobras estava sendo dilapidada numa escala bem maior, a
ponto de o The New York Times considerá-lo o maior escândalo financeiro
do mundo.
Não é só. O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto
Costa, disse alto e bom som, na CPI, que o que houve lá se repete em
todos os setores de infraestrutura do país: rodovias, ferrovias,
eletricidade etc. - sem falar, claro, nos biliardários fundos de pensão,
caixa preta ainda intocada, e no BNDES.
Como, em tal, contexto, proclamar a pureza do governo - e, ainda por
cima, colocá-lo como paladino na luta contra a corrupção? Nem o palanque
suporta tal absurdo – que dirá a tribuna.
Dilma se empossa num ambiente de insegurança e suspeita, com seu próprio
mandato condicionado às investigações que diz promover. Se o que disse o
doleiro Alberto Youssef, em sua delação premiada – de que ela e Lula
sabiam de tudo – se confirmar, ela corre o risco de um impeachment.
O governo pode ter algum controle sobre o Judiciário, cuja cúpula foi
majoritariamente nomeada por ele. Mas o aparelhamento será desafiado
pelas investigações paralelas nos Estados Unidos, cujos investidores são
menos tolerantes que os nacionais.
Em meio a tudo isso, há a crise econômica, que imporá (já está impondo)
cortes nos benefícios sociais, desemprego e arrocho salarial. Eis aí a
realidade do segundo governo Dilma, que nem de perto constou de seu
discurso de posse. É hora de descer do palanque.
fonte rota2014
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