Ricardo Melo
Quem
tem algum compromisso, ou pelo menos preocupação, com as questões
sociais fica decepcionado com as escolhas para o novo gabinete. Ao lado
de uma equipe econômica alinhada com a banca, a presidente Dilma fez
questão de nomear gente cuja trajetória vai no sentido oposto daqueles
que garantiram sua vitória.
Gilberto
Kassab no Ministério das Cidades é uma bofetada, em todos os sentidos.
Um dos políticos mais oportunistas da história recente, Kassab está
irremediavelmente associado à máfia do IPTU em São Paulo, à especulação
imobiliária e ao desprezo pelos interesses dos cidadãos. Não é só: o
filho de Jader Barbalho, novo ministro da Pesca, tem como única
credencial a derrota para governador do Estado. E por aí vai: Eliseu
Padilha volta à cena, um pastor é empossado para tocar o Esporte, uma
agronegocista na Agricultura. E segue o enterro.
Ministério
técnico, bem entendido, seria uma quimera: isso não existe. Qualquer
técnico está sempre a serviço de uma política. Ainda assim, mesmo
considerando o tal “presidencialismo de coalizão”, haveria menus mais
digeríveis do que o cardápio servido pela presidente reeleita. O
simbolismo na política vale muito, às vezes tudo. Ao indicar nomes
identificados com interesses que ela combateu durante a campanha, Dilma
promove um curto-circuito talvez impossível de consertar antes de a
fumaça aparecer.
NÃO MANDAM NADA…
Pode-se
argumentar que grande parte dos ministros, na verdade, não manda nada.
Diz-se também que o “núcleo duro” permanece nas mãos do PT. Falso. Mesmo
que alguns dos nomeados jamais sejam recebidos em audiência no
Planalto, eles fazem parte da face visível do governo. Desprezar isto
não é fazer política; é cavar um fosso ainda maior em relação aos
movimentos que acreditaram no discurso de campanha.
A
receita que a presidente oferece ao público é uma mistura de crise e
rame-rame. De que adianta contentar as inúmeras fatias em que o
Congresso se divide? Viu-se isto com clareza nas manifestações de junho
de 2013. O poder formal e a voz das ruas nem sempre caminham no mesmo
sentido. Mas a segunda geralmente costuma determinar como o primeiro
deve se comportar.
RISCO CAPITAL
Ignorar
a história é um risco capital. Não que o povo adore passeatas,
manifestações diárias, greves, faltar ao trabalho ou atrapalhar o
trânsito. Não! Mas ninguém consegue aguentar calado a ameaça de
deterioração das condições de vida, a degradação de serviços públicos, a
perda de poder aquisitivo e a piora no bem-estar da família. A estes, a
maioria, “governabilidade” só interessa quando sinônimo da redução da
desigualdade social.
É
isto que mantém o mesmo partido no poder até agora. Este compromisso
precisa ser renovado nas palavras e, acima de tudo, nos fatos. Mas o que
se tem ouvido são notícias de aumento de tarifas, desocupações
selvagens nas cidades, corte de gastos para pagar juros dos financistas e
concessões conservadoras a granel. Nas páginas ao lado, porém, lê-se
também que o número de bilionários no país cresceu; a compra de imóveis
no exterior saltou; a taxa de lucro das empresas vai muito bem,
obrigado; a corrupção grassa; e aumenta o número de investidores
sedentos para aplicar dinheiro no Brasil. Mistério: quais serão os novos
programas sociais? Dilma, mostra a sua cara.
(artigo enviado por Mário Assis)
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