editorial da Folha de São Paulo
E Dilma Rousseff falou. A presidente da República, 26 dias após tomar
posse, interrompeu o silêncio abúlico em que se mantinha enquanto sua
equipe econômica impunha um garrote orçamentário em tudo similar ao que a
oposição sugerira durante as eleições.
A boa notícia é que a petista endossou a política de austeridade do
ministro da Fazenda, Joaquim Levy; neste momento, era a coisa certa a
fazer. A má notícia é que, para tanto, Dilma revelou-se adepta dedicada
do "duplipensar" a que se referiu George Orwell (1903-1950) no célebre
livro "1984".
Um grande orador ou um estadista podem arriscar-se a enunciar convicções
e visões contraditórias entre si, se julgarem necessário para ajudar o
público a engolir um remédio amargo –alguns poucos terão sucesso na
empreitada.
Não sendo uma coisa nem outra, Dilma só conseguiu, na reunião
ministerial de terça-feira (27), enunciar o que o mercado queria ouvir.
Para a maioria da sociedade, emitiu uma mensagem confusa.
Contra o princípio do terceiro excluído, afirmou que este segundo
período "é, ao mesmo tempo, um governo de continuidade e também um
governo de mudanças".
Não disse, mas deveria ter dito, que a continuidade não passa de
promessa por realizar (manter e alargar o progresso social logrado desde
2003), enquanto a mudança, esta sim, é uma realidade: a guinada na
política macroeconômica implica cortes drásticos, inclusive nos gastos
sociais.
Não deixa de ser positivo que a presidente enfim afirme reconhecer a
necessidade de recompor a estabilidade e a credibilidade da economia
nacional. Mas, ao atribuir o desequilíbrio de seu primeiro mandato só ao
efeito do que chamou de dois choques (queda dos preços de commodities e
alta dos de alimentos, com a seca inaudita), confirma sua fama de
refratária à admissão de erros e falhas.
O mesmo tipo de omissão se deu com referência à Petrobras. Dilma
reiterou a asserção duvidosa de que "nunca um governo combateu com
tamanha firmeza e obstinação a corrupção e a impunidade". Ora, a própria
empresa anunciou que as irregularidades ocorreram de janeiro de 2004 a
abril de 2012. Governos Lula e Dilma, pois não?
Na esfera parlamentar, a presidente prometeu enviar ao Congresso vários
projetos para combater a corrupção e ressuscitou o espantalho da reforma
política, saída mais segura para desconversar quando se acha refém da
base de apoio inconfiável, PMDB à testa.
Aos ministros pediu combate à desinformação e às falsas versões. Com seu
discurso, deu um exemplo acabado da máxima "façam o que digo, mas não
façam o que faço".
FONTE ROTA2014
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