editorial do Estadão
Repetida à exaustão durante a campanha para a reeleição da presidente Dilma Rousseff, a propalada redução da pobreza nos governos do PT, especialmente nos últimos quatro anos, teve papel central na conquista de votos que asseguraram a vitória da candidata petista por estreita margem. Se os dados mais recentes sobre a pobreza no Brasil fossem conhecidos durante a campanha eleitoral, porém, talvez a candidata da situação não tivesse conquistado todos os votos que obteve - e o resultado da eleição poderia ter sido diferente.
O que se constata agora - e já se podia perceber por dados compilados
por instituições oficiais antes das eleições, mas espertamente retidos
pelo governo, que só autorizou sua publicação depois de conhecido o
resultado das urnas - é que, no governo Dilma, o processo de redução da
pobreza começou a dar sinais claros de esgotamento. Na parte mais baixa
da escala econômico-social, o quadro está piorando, como mostrou o
Panorama Social da América Latina 2014 que a Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (Cepal) divulgou há dias. Segundo o estudo, a
pobreza extrema voltou a crescer no Brasil.
Em trabalho divulgado no fim de 2014, no qual procurou demonstrar a
continuidade da melhora da renda dos mais pobres, o Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS) alegou que, "entre 2001 e 2013, a extrema
pobreza teria caído mais da metade, saindo de 8,1% para 3,1% da
população".
Por se basear em metodologia diferente, o estudo da Cepal chega a
resultados maiores. Independentemente dos números, o que importa é
avaliar sua tendência. O que se constata é que, ainda que fosse bem
melhor do que a situação aferida em 2001, em 2013 o quadro social
brasileiro foi pior do que o de 2012. Os brasileiros que vivem em
extrema pobreza passaram de 5,4% para 5,9% da população total. Isso quer
dizer que as condições de vida pioraram para cerca de 1 milhão de
brasileiros. Foi o que mostrou também um estudo do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), segundo o qual, após uma década de queda da
miséria, o número de brasileiros em condições de extrema pobreza
aumentou entre 2012 e 2013.
Os petistas repetem que, combinados, o crescimento econômico e as
políticas de renda - como o Bolsa Família - incorporaram ao mercado
milhões de brasileiros. Apesar do exagerado tom eleitoral, tais
declarações tinham alguma sustentação nos dados sociais.
Os quatro anos do primeiro mandato de Dilma Rousseff, porém, produziram
resultados que desmentem aquelas afirmações demagógicas. O crescimento
foi medíocre - e particularmente ruim nos dois últimos anos do período,
justamente aqueles em que, como se começa a constatar, os indicadores
sociais passaram a piorar.
Ainda que do ponto de vista numérico nem tudo é piora - a economia ainda
consegue criar postos de trabalho, a pobreza no conceito mais amplo
continua a diminuir proporcionalmente à população -, é inegável que, do
ponto de vista qualitativo, a situação se deteriora. A redução da
pobreza se alcança graças, principalmente, a políticas que se assemelham
a ações de caridade, não a iniciativas públicas que efetivamente
incorporem a população carente à economia, proporcionando-lhe
oportunidades de obter renda regular graças a seu trabalho. Os empregos
que ainda se criam são em setores que exigem pouca qualificação e,
consequentemente, pagam salários mais baixos.
"A recuperação da crise financeira internacional não parece ter sido
aproveitada suficientemente para o fortalecimento de políticas de
proteção social que diminuam a vulnerabilidade frente aos ciclos
econômicos", observaram os autores do relatório da Cepal. A observação
se aplica a toda a região, mas tem particular significado para o Brasil.
O indispensável ajuste econômico, sobretudo das finanças do governo
federal, exigirá políticas públicas austeras. Combinadas com a provável
contenção do ritmo da economia, essas políticas podem ter efeito sobre
um mercado de trabalho já fragilizado, com impacto sobre os indicadores
sociais.
fonte rota2014
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