"A 'autocrítica' do PT", editorial do Estadão
O Partido dos Trabalhadores (PT) está para completar 35 anos e pretende
celebrar a data promovendo mais um processo de "autocrítica" e
"revisão". Fosse a sério, tal avaliação teria necessariamente de
questionar como um partido que nasceu se arvorando em vestal da
moralidade pública permitiu que à sua sombra fosse praticada corrupção
da grossa e por atacado. Mas o escrutínio interno, ao que parece, deverá
se restringir apenas a uma investigação que encontre os motivos pelos
quais o partido quase perdeu a eleição presidencial no ano passado,
mantendo intacta a estrutura que, enquanto lhe garantia imenso poder nas
entranhas do Estado ao longo dos anos, transformava a legenda em abrigo
de malfeitores.
Não resta mais dúvida, a esta altura, que o PT vive uma convulsão
interna, típica dos momentos que antecederam expurgos como os que
geraram o PSOL e o PSTU. A disputa das diversas correntes pelo sentido a
ser dado à história da "era PT" no poder é pautada pela memória da
fundação do partido, com mais ou menos nostalgia daqueles tempos, mas
nenhuma delas se propõe a fazer um diagnóstico realista da ruína moral
petista. Nesse aspecto, a "autocrítica" tende a ser somente mais uma
encenação para afastar aqueles que efetivamente exercem sua capacidade
crítica e expõem os erros do partido. A depuração que o PT persegue
agora não deverá servir para punir os filiados que defendem o vale-tudo
para se manter no poder, e sim para preservá-los. Disso resultará - é o
que certamente esperam os capas pretas do partido - uma unidade de
pensamento e ação, com vista a estender o poder petista para além de
onde a vista alcança.
Quando o secretário nacional de Organização do PT, Florisvaldo Souza,
diz que "houve um desvio de rota" e que é preciso "retomar o curso
original" do partido, como registrou o Estado, não se deve pensar que os
líderes petistas estejam falando de uma reformulação que implique
compromissos éticos coerentes com os ideais de fundação da legenda.
Trata-se apenas de um aviso da cúpula de que toda dissidência será
tratada com especial rigor.
Uma vez restabelecida a unidade, por bem ou por mal, o PT pretende,
sabe-se lá como, recuperar sua imagem. Para tanto, recorrerá ao que sabe
fazer de melhor, isto é, encenará uma abertura "democrática" a diversas
opiniões, ouvindo inclusive "jornalistas, economistas, gente da
academia, de preferência críticos ao PT, para ajudar nessa reflexão",
conforme disse o secretário-geral do partido, Geraldo Magela.
Segundo os dirigentes, devem ser criados mecanismos online para que
filiados em cargos no Executivo e no Legislativo se manifestem sobre os
rumos do PT. Além disso, o partido pode ter sessões para discutir
economia e cultura, com a participação de acadêmicos e de artistas, e
incluir em sua agenda problemas de forte apelo para a juventude, como
mobilidade urbana e meio ambiente.
Como se nota, trata-se de uma estratégia para criar uma forte sensação
de mudança, sem que nada efetivamente saia do lugar - pois, afinal,
todos sabem que o PT só responde a seu dono, o ex-presidente Lula. Com
esse truque, os petistas querem dar a sensação de que estão de volta às
"origens", tal como as idealizam os mais radicais, enquanto o PT
continua a operar a imensa e corrupta máquina partidária em que
transformou o Estado.
De tudo isso se conclui que a única preocupação do PT é manter-se no
poder, alimentando o fisiologismo que seus fundadores diziam combater e
sem ter em conta nenhum dos desafios que o País impõe ao governo -
muitos deles criados pelos erros cometidos pela presidente petista Dilma
Rousseff. Nessas condições, como disse José Arthur Giannotti em
entrevista ao Estado, "tem pouca eficácia clamar pelo retorno às
origens", pois o PT "se corrompeu infiltrando sua burocracia na
burocracia estatal, com prejuízo das duas", ajustou-se ao
presidencialismo de coalizão, tornando-se "uma das forças que o
sustentam", e em razão disso não tem uma "visão mais ampla e adequada"
para promover o crescimento sustentado do País.
FONTE ROTA2014
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