, por Rolf Kuntz
Fazer o Brasil avançar cinquenta anos em cinco foi a promessa mais
audaciosa do candidato Juscelino Kubitschek. Fazer quatro anos em oito é
o desafio principal da presidente Dilma Rousseff no início de seu
segundo mandato. Por enquanto, sua grande tarefa é a reparação dos
estragos causados ao País nos últimos anos e bem exemplificados pela
crise fiscal e pela devastação da indústria. Se nada sair muito errado,
os erros do primeiro período serão zerados no segundo. Com sorte, talvez
sobre algum saldo positivo. Parte dos danos ocorreu pela manutenção de
políticas iniciadas pelo antecessor, Luiz Inácio da Silva, notório
fabricante e vendedor de postes. Benefícios a grupos eleitos como
favoritos da corte são parte desse legado. Mas ninguém deve subestimar o
talento da presidente Rousseff para o voluntarismo, o diagnóstico
errado e decisões desastrosas.
Antes de completar uma semana, seu segundo período já foi marcado por
uma constrangedora bronca pública no ministro do Planejamento, Nelson
Barbosa, e por uma polêmica sobre um novo financiamento de R$ 2,5
bilhões para as distribuidoras de eletricidade. A maior parte da herança
maldita agora recebida pela presidente foi deixada por ela mesma. A
qualidade da herança é conhecida, mas o inventário apenas começou.
Parcela importante dessa herança macabra, cheia de esqueletos, é a perda
de potencial de crescimento. Além de ter crescido menos de 2% ao ano,
em média, entre 2011 e 2014, a economia brasileira tornou-se anêmica.
Entre janeiro e novembro do ano passado a produção industrial foi 3,2%
menor que a de um ano antes e a variação acumulada em quatro anos foi
certamente negativa. Mas o pior indicador - para a indústria e para a
economia em geral - é o baixo índice de investimento. Pouco se gastou na
ampliação e na modernização da capacidade produtiva e isso será um
obstáculo a mais à retomada da expansão.
A fabricação de máquinas e equipamentos, isto é, de bens de capital, foi
até novembro 8,8% menor que nos meses correspondentes de 2013. Além
disso, em 2014 foram gastos com a importação de bens de capital US$
47,72 bilhões, 7,6% menos que no ano anterior, pela média dos dias
úteis.
Esses números são compatíveis com o baixo grau de confiança apontado
pela última sondagem de investimentos da Fundação Getúlio Vargas,
divulgada em dezembro. No quarto trimestre de 2013, 47% dos empresários
industriais indicaram disposição de investir mais no ano seguinte. No
fim do ano passado, 38% reportaram aumento efetivo do investimento e
31%, diminuição. A disposição de ampliar os programas em 2015 foi
apontada por 41% dos consultados, mas só 45% dos informantes declararam
certeza quanto à execução dos planos neste ano. Empresários de serviços,
comércio e construção também relataram baixos níveis de investimento e
mostraram muita insegurança em relação a 2015.
No terceiro trimestre, o empresariado e o governo aplicaram em máquinas,
equipamentos, instalações e obras de infraestrutura o equivalente a
17,4% do produto interno bruto (PIB). Um ano antes a proporção havia
sido 19%. Quando se consideram apenas os terceiros trimestres, a taxa
mais alta desde o ano 2000 foi alcançada em 2008. Nesse período a
formação bruta de capital fixo - nome técnico da aplicação de recursos
em máquinas e outros meios físicos de produção - chegou a 20,7%. A
partir de 2010, declinou de forma quase contínua, com algumas pequenas
oscilações.
A taxa brasileira de investimentos é menor que a dos países mais
dinâmicos da região, como Chile, Colômbia, Peru e Equador, e muito mais
baixa que a das economias mais competitivas da Ásia. Desde o período
Lula o governo anuncia o compromisso de elevar essa taxa para 24% do
PIB. Mas os números efetivos têm ficado sempre muito distantes dessa
meta. Quando o Brasil chegar lá, alcançará padrões já observados há
alguns anos em outras economias da América Latina.
Mas nem o baixo investimento registrado no Brasil é financiado com
poupança interna. No terceiro trimestre o País poupou o equivalente a
apenas 14% do PIB. A diferença foi coberta com recursos externos. A taxa
de poupança também declinou a partir de 2008, quando havia chegado a
20,6%, e a queda acelerou-se a partir de 2010. A queda mais veloz
coincidiu com a deterioração das contas públicas, isto é, com a redução
do resultado primário, destinado ao pagamento parcial dos juros.
Nesse período, o déficit nominal do setor público em todos os níveis -
resultado geral das contas de governo, incluído o gasto com juros -
aumentou rapidamente e atingiu R$ 297,4 bilhões, 5,82% do PIB, nos 12
meses até novembro. Também nesses 12 meses, o buraco nas contas do
governo federal - Tesouro e INSS - chegou a 5,1% do PIB. Para facilitar a
avaliação: o déficit fiscal da Itália, no terceiro trimestre,
correspondeu a 3,7% do PIB e foi pouco maior que o de um ano antes,
3,4%.
Por mais de uma razão o conserto das contas públicas, atribuído
principalmente ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é condição para a
retomada segura do crescimento. O ajuste deve levar a um aumento da
poupança do governo e a uma elevação do investimento público. Deve
possibilitar, além disso, um combate à inflação mais eficiente e menos
dependente de juros altos.
No ano passado, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA) chegou a 6,41% e quase bateu no limite de tolerância, 6,5%.
Para este ano o mercado projetou, no início de janeiro, 6,56%, mas a
expectativa poderá melhorar, se o governo se mostrar mais sério que nos
últimos anos. Se os empresários se tornarem mais confiantes, poderão
investir mais para ampliar a capacidade produtiva e ganhar poder de
competição. Nada disso está garantido. Há muitas incertezas, a começar
pela disposição da presidente Dilma Rousseff.
fonte rota2014
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