editorial do Estadão
O discurso da ministra Tereza Campello, na cerimônia de posse como
titular do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - cargo
que já ocupava no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff -, é um
exemplo claro da tendência do Partido dos Trabalhadores (PT), desde que
assumiu o poder, de escapar da realidade e viver num mundo imaginário.
Para a ministra, "foi muito mais fácil acabar com a miséria do que
acabar com o preconceito contra os pobres". E para que não pairasse
dúvida de que não era um pensamento mal formulado, ela explicou que não
se trata de uma ideia nova, mas de algo que ela expressa com frequência.
"Eu sempre digo uma frase que eu acho que tem que nortear a nossa
agenda no próximo período", e aí soltou a bendita frase, para concluir
que o desafio prioritário a ser enfrentado pela sua gestão no segundo
mandato de Dilma será acabar com o "preconceito contra os pobres".
É, no mínimo, assustador ouvir da pessoa que, desde o primeiro dia de
2011, é a titular do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome - era de esperar que quatro anos no cargo a tivessem ajudado a
conhecer ao menos um pouco da realidade brasileira -, e que continuará a
chefiar a pasta, que já não existe miséria no País e bastaria agora
enfrentar o "preconceito contra os pobres". Em que mundo vive alguém que
formula um pensamento desse teor? Por quais cidades brasileiras a
ministra tem andado?
Por ocasião da campanha eleitoral do ano passado, a candidata à
reeleição Dilma Rousseff já havia dito semelhante disparate. Nas linhas
gerais do programa de governo que ela apresentou ao Tribunal Superior
Eleitoral, dizia-se que "a tarefa de combater a extrema pobreza (...)
foi superada", para daí afirmar que a batalha atual é "assegurar a
perenidade da erradicação da miséria e da pobreza". E, diante desse
admirável mundo novo, o lema da campanha era que "o fim da miséria é só
um começo".
Dizer que acabou a miséria no País é fechar os olhos à realidade. Por
uma opção ideológica - que atende muito bem aos interesses marqueteiros
do governo e muito mal às necessidades reais do País -, as prioridades
do Brasil ficam invertidas. Já não é preciso melhorar as condições
materiais; bastaria agora difundir uma campanha contra o preconceito.
Esse discurso - que infelizmente não é apenas retórica, pois vai
deformando a ação governamental - é contraditório com o que o próprio PT
sempre defendeu. Se houve 500 anos de graves injustiças no País - como
eles gostam tanto de afirmar -, serão meros 12 anos que corrigirão os
rumos? Quisera que os problemas sociais do País fossem assim tão fáceis
de ser resolvidos. Tal raciocínio - que agora repete a ministra - é de
uma superficialidade que faz temer as suas consequências, pois quem o
formula faz parte do grupo que tem as rédeas do País.
Troca-se a realidade pelo pensamento imaginário. Já não há fome, já não
há miséria, já não há pobreza - há apenas o preconceito. Essa opção não
é, infelizmente, indolor. É uma bofetada de desprezo em tantos
brasileiros e brasileiras que ainda vivem em condições subumanas.
Logicamente, o preconceito - seja de qual espécie for: por raça, cor,
sexo, língua, condição social, orientação política, etc. - é prejudicial
e deve ser fortemente combatido. Mas trocar a busca do desenvolvimento
social e econômico real - que deveria ser a missão da ministra - por um
discurso ideologicamente enviesado afronta as necessidades de tantos
brasileiros que ainda vivem em situação de pobreza.
Ninguém nega que, nos últimos anos, houve redução significativa da
parcela da população que vive em estado de pobreza. Segundo estudo do
Banco Mundial, em 1999, 35% dos brasileiros eram pobres. Em 2011, eram
17% da população. Isso, no entanto, nada tem a ver com fechar os olhos à
realidade e construir um mundo imaginário. Um governo que faz vista
grossa a 17% da população é um governo muito distante das reais
necessidades do País - e muito apegado aos seus interesses ideológicos.
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