Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

"O debate eleitoral e a derrota tucana"

por Samuel Pessoa

Folha de São Paulo



A derrota do senador Aécio Neves foi ruim para o país. Além de ser oportuna a transição política, o Congresso eleito ajusta-se melhor a um governo tucano do que petista.
Continuaremos em uma situação na qual o chefe do Executivo pertence a um partido mais à esquerda do que a média do Legislativo. Continuaremos, portanto, com coalizões ideologicamente muitas heterogêneas e gabinete ministerial muito desproporcional.
Adicionalmente, a metade da sociedade que escolheu Aécio tinha genuíno desejo de mudança. Parte dos que, mesmo desejando mudanças, votaram na continuidade o fez por medo de redução dos gastos e dos programas sociais. A divisão resulta da vitória de Dilma e da estratégia do medo. Aécio unificaria facilmente o país.
Também não é verdade que o senador Aécio teve desempenho ruim em Minas Gerais. A presidente Dilma foi reeleita com 51,6%, ante 52,4% em Minas. Ou seja, o voto dos mineiros foi mais favorável à candidata petista, relativamente à média do país, em 0,8 ponto percentual.
Essa mesma conta para as eleições de 2002, 2006 e 2010 resulta, respectivamente, em 5,2, 4,4 e 2,4 pontos percentuais favoráveis ao candidato petista. Ou seja, Minas tem sido sistematicamente mais petista na eleição nacional do que a média do país, apesar de essa diferença estar em queda e ter caído muito nesta eleição.
A derrota foi na média do país.
E ela ocorreu porque o PSDB não foi capaz de convencer parcela dos descontentes com o atual governo de que não haveria recuo na área social.
Como argumentei em diversas oportunidades, não há nenhum sinal de que os governos tucanos não priorizem a área social. Documentei na coluna de 17 de agosto que

o governo FHC aumentou o gasto social em 1,5 ponto percentual do PIB. Esse número está subestimado pois não considera os gastos com saúde e educação.
Esses foram anos em que a prioridade da sociedade no gasto social foi canalizada para a universalização da educação fundamental, com o Fundef, e para a implantação do sistema único de saúde. Evidentemente em cada momento há uma agenda. O governo FHC tocou a agenda social de sua época.
Como já argumentei neste espaço, desde 2009 criou-se um fosso entre os projetos dos dois principais partidos que disputam o Poder Executivo em relação especificamente à maneira de conduzir a economia. Os governos petistas preferem um Estado interventor, e o modelo tucano, um Estado regulador. Essa diferença não tem implicações para o investimento na área social ou para a carga tributária.
Ocorreu que simplesmente a candidatura tucana perdeu o debate. E, talvez, tenhamos perdido porque fazer o debate é difícil ou quase impossível.
A campanha petista travou o debate sobre legados empregando a numerologia que apresenta em todas as campanhas. Considera uma lista de estatísticas econômicas e sociais e apresenta o valor médio da respectiva estatística no período FHC e nos 12 anos petistas.
O processo de desenvolvimento institucional e demográfico da sociedade tem produzido tendência natural de melhora em inúmeras estatísticas. A comunicação tucana defronta-se com uma tarefa hercúlea. Precisa mostrar que teria sido possível fazer mais e melhor. Ou ainda que, se o grupo político adversário tivesse ganhado quando nós ganhamos, isto é, nos anos 1990, eles teriam feito pior.
Ou seja, a tarefa da propaganda política para o partido da oposição num momento em que a vida das pessoas melhora demanda exercício contrafactual. É muito difícil, quiçá impossível.
Dois caminhos se apresentam.
A situação econômica deteriorou-se muito. Se não houver forte arrumação da casa, a oposição deve ganhar em 2018. Se a política econômica do atual governo voltar ao padrão que vigorou no período Palocci, é possível que o ciclo petista continue.
Mesmo assim a chance de transição política em 2018 cresceu muito, pois a situação deteriorou-se de tal maneira que será muito difícil a arrumação e talvez, como ocorreu com os governos tucanos nos anos 1990, mesmo arrumando não haja tempo hábil e a colheita fique para outrem.
fonte rota2014

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