Percival Puggina
O leitor não foi à Praça dos Três Poderes, talvez nem seja de Brasília, mas constitui, no debate sobre anistia, um “terceiro interessado”, para dizer como os advogados. Está fora, mas ela o afeta enormemente e não por motivos jurídicos, mas pelos mesmos que me levam a escrever este artigo, ou seja, razões cívicas, de natureza política no bom sentido dessa palavra.
Depois de tantas e tão recorrentes manifestações de ministros do STF contra a ideia da anistia aos presos e condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, eu fico pensando se realmente não sabem que anistia é tarefa da política, com causas políticas e consequências políticas. Ou estão, de fato, dispostos a continuar fazendo política sem votos, apenas com suas canetas?
Se depender dos que, de parte a parte clamam, por justiça, jamais haverá anistia. Eu os leio e ouço diariamente. Uns sonham com julgar os julgadores; outros os apoiam incondicionalmente. Uns consideram os réus inocentes ou que sofrem penas excessivas, tratamento desumano e que a anistia seria uma admissão dos crimes. Outros, ainda falam das muitas esquisitices da eleição de 2022.
Diferentemente do que tenho lido, anistia não é esquecimento, como a palavra sugere. Esquecer, sumir da memória não são consequências de atos de vontade. A anistia de penas, diferentemente, se refere a um ato de vontade política materializado por lei editada pelo Congresso Nacional. Está no âmbito de sua exclusiva competência, que não é compartilhada nem compartilhável com qualquer outro poder. É por isso que mesmo quando o governo da União ou das unidades federadas querem conceder uma anistia tributária, ela só pode viger mediante aprovação de lei no respectivo parlamento.
Não envolvendo esquecimento, a anistia não terá o poder de fazer com que os condenados pelos atos do dia 8 de janeiro, os que tiveram suas vidas destroçadas, os que ainda pendem de julgamento esqueçam tudo por que passam. Ela tampouco faz cessar o trabalho dos historiadores. Ela simplesmente extingue as consequências penais do que aconteceu.
É bom lembrar que a Emenda Constitucional 26 de 1985, ao convocar a Assembleia Nacional Constituinte, reconheceu o perdão concedido a militantes e militares. Ela foi o ato fundador da nova ordem constitucional do país, cancelando as tentativas revisionistas tentadas à época por movimentos de esquerda. No STF, em seu voto sobre a questão (2010), o relator, ministro Eros Grau, afirmou (aqui *): “Reduzir a nada essa luta é tripudiar contra os que, com assombro e coragem, na hora certa, lutaram pela anistia. É a página mais vibrante de atividade democrática da nossa história.” Décadas mais tarde, a esquerda brasileira ainda tentaria abolir o ato quanto ao perdão concedido aos militares e reescrever a história com as pretensões da Comissão da Verdade.
Em artigo de abril de 2010, referindo-me às reivindicações da esquerda contra o caráter amplo da anistia concedida pelos atos de 1979 e 1985, escrevi e reafirmo perante o que hoje leio, vejo e ouço: “Assusto-me quando os que buscam isso dizem agir pelo Direito e pela Justiça, desconhecendo a importância da Política e o eminente valor moral, profundamente cristão, do perdão institucionalmente concedido. Há uma parcela da esquerda que foi perdoada por seus muitos crimes, mas não aprendeu a perdoar.”
* https://www.conjur.com.br/2010-abr-28/anistia-entrou-constituicao-antes-1988-ministro-eros-grau/
publicadaemhttps://puggina.org/artigo/anistia-nao-e-tarefa-da-justica,-mas-da-politica!__18060
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