Maria Alice Setubal: Folha de São Paulo
Estudos e pesquisas sobre o ensino médio e juventude apontam, de forma
recorrente, a falta de interesse dos estudantes pela escola, a defasagem
entre o ensino escolar e a realidade cotidiana dos jovens, o excesso de
disciplinas e a baixa qualidade da educação demonstrada pelos
indicadores educacionais. Todos esses fatores indicam a necessidade de
mudanças profundas nessa etapa da educação básica.
A ampla repercussão do anúncio do Ministério da Educação sobre a reforma
do ensino médio na mídia, com manchetes nos principais jornais do país e
noticiários da TV, parece sinalizar que há um consenso na sociedade
sobre a importância da educação para o futuro do país.
Ao mesmo tempo, o fato de a reforma ter sido lançada por meio de medida
provisória denota a distância entre o tempo da política e o tempo
necessário para que a sociedade conheça, discuta e se aproprie das
mudanças na educação.
As manifestações de rua e nas redes sociais revelam um anseio por
participação e protagonismo por parte dos diferentes setores da
sociedade, especialmente os jovens. Teorias de mudanças enfatizam a
importância de se construir uma visão compartilhada entre os envolvidos a
partir do engajamento de todos, das secretarias de educação às escolas.
políticas públicas, o maior tempo para partida pode significar, na
maioria das vezes, maior efetividade e eficácia na implementação e no
alcance de resultados.
Embora muitos desejem ter uma bala de prata que resolva os problemas e
garanta melhores resultados, há sempre diferentes dimensões a serem
consideradas na educação.
A flexibilização do currículo, com opção para diferentes percursos
formativos, precisa considerar aspectos fundamentais na sua implantação,
sob o risco de aumentarmos as já enormes desigualdades educacionais.
Estratégias para o enfrentamento dessa questão não foram apontadas na
medida provisória.
Outra dimensão ausente na proposta diz respeito ao apoio federal para
que as redes de ensino melhorem a infraestrutura das escolas, com
instalação de bibliotecas, laboratórios, computadores com internet e
wi-fi, quadras esportivas.
No âmbito pedagógico não há medidas para enfrentar a baixa qualidade do
ensino noturno, que atende a 23,6% dos alunos brasileiros, conforme
Censo Escolar de 2015. Como viabilizar percursos formativos para esse
turno?
A Base Nacional Comum Curricular ainda demanda uma discussão ampla e
profunda com a participação dos diferentes segmentos da educação,
incluindo os estudantes, e da sociedade, para que possamos ter mais
clareza sobre as disciplinas obrigatórias e as opcionais das quatro
áreas do conhecimento.
Finalmente, vale aprofundar a discussão sobre recursos. Sem dúvida, as
escolas que implantaram educação integral têm alcançado bons resultados.
No entanto, fica a questão: por que o MEC optará por destinar mais
recursos apenas para as escolas que ampliarem a jornada escolar?
A flexibilidade do currículo, assim como a diversificação das ofertas
dentro de uma mesma rede, pode ser promissora, desde que se garanta um
patamar básico de qualidade para todas as escolas.
Secretários de Estados que enfrentam graves dificuldades financeiras já anunciaram que não terão condições de implementar a reforma.
Obviamente, não se trata apenas de mais recursos mas também de uma
gestão, tanto das secretarias como das escolas, mais responsável e
comprometida na busca por resultados, com a melhoria da infraestrutura e
a formação de seus professores.
MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, doutora em psicologia da educação
pela PUC-SP, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas
em Educação, Cultura e Ação Comunitária - Cenpec e da Fundação Tide
Setubal
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