Você
provavelmente já ouviu todas essas frases pelo menos alguma vez na vida.
Ou melhor, talvez mais do que isso: há uma boa chance de você mesmo ter
dito e continuado acreditando em todas elas.
É
perfeitamente normal. Ao longo de décadas não nos cansamos de
repetir uma série de bordões presos ao senso comum que não sobrevivem ao
menor escrutínio da realidade – da ideia que comer leite com manga faz
mal à saúde até a que diz que o banho não é indicado depois do almoço.
Ninguém está imune a isso. E isso independe das motivações ideológicas.
Aqui, no
entanto, separei cinco desses bordões ligados a uma mentalidade
antieconômica, presos a um senso comum que, longe de qualquer inocência,
pauta parte considerável das nossas políticas públicas
Por
acreditar nessas ideias, repetidas incansavelmente ao longo dos anos,
elegemos figuras políticas que modificam o mundo real à nossa volta.
Mais do que isso: somos, em parte, responsáveis por escolhas que alienam
e criam dificuldade à vida das pessoas – especialmente as mais pobres.
Nada disso acontece por acaso.
E a primeira delas é a mais clássica possível:
1. “Para haver um rico é preciso haver um pobre.”
Cá entre nós – eu poderia apostar que você, pelo menos em algum momento da sua vida, chegou a acreditar nessa ideia. Para haver um rico é preciso haver um pobre. Ou então: os países só são ricos porque se desenvolveram explorando os países pobres. Ou ainda: a pobreza só existe porque dá lucro.
Há muitos
desses clichês decorando muros com pichações condenando os ricos pelas
mazelas dos mais pobres. E se engana quem pensa que essa ideia nasceu
com o capitalismo. Desde muito antes dos seus ancestrais moverem suas
botas em solo tupiniquim, as trocas comerciais sempre foram encaradas
como se fossem moralmente possíveis apenas entre bens com igualdade de
valor (leia-se: um camponês que troca uma dúzia de ovos por um litro de
leite).
Acontece que o valor dos bens não é objetivo, mas subjetivo.
Quer dizer, não é como se os bens estivessem disponíveis embalados na
natureza e nós apenas tivéssemos o trabalho de subir em árvores para
adquiri-los – e os ricos, impávidos em sua sede de dominar o mundo,
tivessem colhido tudo antes do tempo, não permitindo que os mais pobres
tivessem acesso a eles.
A imensa
maioria dos produtos que estão nesse exato momento ao seu alcance,
embora utilizem materiais disponíveis na natureza, só existem graças ao
fato incontestável de que esses materiais em estado natural foram
transformados por meio do trabalho e do investimento. É a ação do homem
que faz a mágica aqui. As árvores foram cortadas, as terras foram
aradas, os alimentos foram colhidos, os alumínios foram extraídos. O
resultado disso tudo lota a gôndola dos supermercados e das lojas dos
shoppings centers. E cada um de nós dá um diferente valor a todos esses
produtos na hora de realizar as nossas trocas.
A crença
de que para haver um rico é preciso haver um pobre nasce justamente da
concepção equivocada de que o ganho de um jogador numa troca representa
necessariamente a perda para o outro jogador. É como se houvesse
uma quantidade finita de um determinado produto a ser dividido e
disputado entre os jogadores. Toda vez que você adquire um celular, por
exemplo, não permite com que outra pessoa no mundo tenha acesso a ele.
Na teoria dos jogos o nome que se dá a isso é jogo de soma zero.
Acontece
que a economia não é uma espécie de bolo, com tamanho fixo. Riqueza é
algo que precisa ser produzida, criada. E não sem razão, é isso que
fazemos há pelo menos dois séculos. Duvida? Encare o gráfico abaixo.
Aqui em
cima está toda riqueza criada no mundo nos últimos séculos. Se você
acompanhar cada traçado nesse gráfico, perceberá que todas as regiões do
mundo estão hoje mais ricas do que estavam no século dezenove. Mesmo a
África (e atualmente, sete das dez economias que mais crescem no mundo
estão no continente africano).
A pergunta
que não quer calar aqui é: quem exploramos, afinal, para criarmos toda
essa riqueza? Os marcianos? Os homens do passado? Nossos escravos
imaginários? Quais foram os pobres explorados para que toda humanidade
pudesse enriquecer?
De fato,
tal bordão não parece fazer o menor sentido: as trocas só existem, pelo
contrário, por serem lucrativas para ambas as partes – ou alguém força
você a sair da sua casa para realizar compras que você não tem o menor
interesse? A participação nesse grande mercado de trocas é absolutamente
voluntária; tanto o comprador como o vendedor são capazes de vetar
qualquer negócio a qualquer momento e só permanecerão interessados no
jogo quando perceberem que essa é uma escolha lucrativa para ambos.
E é por isso que o mercado de trocas é um jogo de saldo positivo e expansivo. E é por isso que não faz o menor sentido afirmar que para haver um rico é preciso haver um pobre.
Acredite, o único lugar do mundo em que a pobreza dá lucro é na política.
2. “O capitalismo mata todos os anos milhões de pessoas.”
Você já ouviu essa, certo? Mas, antes de qualquer coisa, é preciso dar o nome aos bois.
Não, o
capitalismo não é o governo americano. Também está longe de ser
a burocracia estatal. Muito menos a defesa das grandes corporações.
O
capitalismo é o sistema de mercado onde ocorrem as trocas citadas no
primeiro ponto desse texto. É aquilo que Adam Smith chamava de “sistema de liberdade natural”, onde pessoas comuns exercem livremente seu poder de compra e venda. É aquilo que conecta e cria, como dizia George Simmel, “uma sociedade no lugar de uma mera coleção de indivíduos”.
E como um
sistema econômico, antes de criticá-lo ou elogiá-lo é preciso entender
que ninguém é encarregado de tocar o capitalismo – ou melhor, todo mundo
é. Como disse o economista neozelandês John McMillan:
“Se as pessoas não têm autonomia, suas negociações não são negociações de mercado. Quando existe uma relação de autoridade – uma parte está cuidando da outra, ou uma autoridade mais alta cuida das duas – então qualquer transação está em outra categoria; não é uma transação de mercado.”
O que
quero dizer com isso tudo? Que o capitalismo não possui um rosto. Não é
possível imputar direta ou indiretamente a morte de quem quer que seja
por ele – especialmente pelas ações políticas – como guerras, genocídios
ou explorações colonialistas (na maioria das vezes perpetradas por
autoridades antiliberais). Pelo contrário. Como sistema econômico, tudo
que o capitalismo proporcionou ao mundo foi mecanismos para a
proliferação da vida. E não é preciso ser um grande analista social para
chegar a essa conclusão – basta saber o mínimo de história e
aritmética.
Até o
início do século dezenove, o crescimento do PIB per capita mundial
permaneceu estável, próximo do zero. Entre 1200 e 1800, do declínio da
Idade Média ao fim do mercantilismo, medidas de bem-estar econômico como
renda, as calorias e proteínas per capita ingeridas pelas pessoas e o
número de filhos sobreviventes aos primeiros cinco anos de vida, não
mostraram tendência ascendente em nenhum país europeu – na verdade,
estavam quase presos aos mesmos níveis de sociedades de
caçadores-coletores.
Desde então, graças ao crescimento econômico gerado pelas instituições capitalistas, a população mundial cresceu inacreditáveis seis vezes,
desafiando a armadilha malthusiana. Não faz ideia do que isso
significa? Estou falando de um acréscimo de seis bilhões de pessoas a
mais vivendo agora no planeta. Nada parecido aconteceu até então na
história do homem.
E não é
apenas que há mais pessoas no planeta: nossa qualidade de vida aumentou
consideravelmente e a nossa expectativa de vida mais do que dobrou desde
então. O que é o mesmo que afirmar que nós não apenas vivemos mais
tempo, como estamos menos suscetíveis a morrer de febre, gripe, fome,
difteria, poliomelite, tifo, malária, tuberculose e uma série de doenças
que hoje felizmente estão presas apenas aos livros de história.
É o exato
oposto do que manda o senso comum. Não é como se o capitalismo matasse
todos os anos milhões de pessoas: nenhum outro sistema econômico
permitiu o nascimento e desenvolvimento de tantas vidas desde o início
da trajetória da nossa espécie.
3. “O mundo está cada vez mais intolerante e violento. E a culpa é do capitalismo.”
É difícil
não escapar dessa ideia. Você liga a televisão ou acessa aquela página
gravada nos favoritos do seu navegador e tudo que recebe é um festival
de balas perdidas, assaltos, sequestros, estupros e atentados
terroristas. Você acessa a sua rede social e o que não faltam são
depoimentos denunciando casos de racismo, homofobia e machismo. O mundo
definitivamente parece um lugar caótico, governado pela violência como
em nenhum outro período da história, certo?
Mas e se
essa nossa impressão estiver errada? E se, ao final de tudo, nós
estivéssemos vivendo no período mais pacífico da história? E se, mais do
que isso, nenhuma outra geração desde que o mundo é mundo fosse tão
tolerante a minorias como negros, gays e mulheres como a nossa?
No mundo
real, entre 88 países com dados confiáveis, 67 viram um declínio de
assassinatos nos últimos 15 anos – entre os mais violentos, essa taxa
diminuiu em mais de 40% nesse período.
Pode
parecer insano dizer isso, mas nós somos mais tolerantes às relações
homossexuais e inter raciais, à liberdade de pensamento e de crença (e
não-crença), e mais intolerantes à tortura como mecanismo judicial, à
escravidão como modelo econômico e às guerras entre nações, do que
qualquer outra geração anterior à nossa. Ou seja, vivemos num cenário
exatamente oposto ao que aponta o senso comum.
4. “O mundo nunca foi tão pobre.”
Essa também é uma máxima recorrente. O capitalismo é o grande responsável por toda miséria que há no mundo. É dele a culpa pelo subdesenvolvimento latino americano, pela fome na África, pelas favelas no Brasil, pelo atraso na Ásia.
Mas quanto disso é real de verdade? Pouca coisa. Encare o gráfico abaixo.
Como
ele expõe, o número de pessoas vivendo na mais absoluta pobreza vem
caindo consideravelmente no mundo desde a Revolução Industrial. De fato,
se os ricos ficaram mais ricos desde o início do capitalismo, os pobres
também vem melhorando suas posições como nunca antes havia sido
possível.
Os etíopes
vivem hoje, em média, 24 anos a mais do que em 1960. Os chilenos já são
mais ricos do que qualquer nação do mundo desenvolvido na década de
cinquenta. A mortalidade infantil é menor hoje no Nepal do que na
Espanha em 1960. Há 35 anos, 84% dos chineses vivia abaixo da linha da
pobreza – esse número caiu para 6%, como reflexo da abertura econômica
iniciada com a subida de Deng Xiaoping ao poder. Desde 1990, aliás, o
percentual da população mundial vivendo na extrema pobreza caiu mais da
metade – para menos de 18%.
Atualmente,
os sul coreanos vivem, em média, 26 anos a mais e ganham 15 vezes mais
por ano do que em 1955 (ganham 15 vezes mais também que os norte
coreanos, mas essa é outra história). Os mexicanos vivem agora, em
média, mais do que os britânicos viviam em 1955. Em Botswana a população
ganha, em média, mais do que os finlandeses ganhavam em 1955 (em 1966,
cada cidadão botsuano ganhava em média 70 dólares por ano; o país tinha
míseros doze quilômetros de estradas pavimentadas e vinte e
dois habitantes com diploma universitário). Em duas décadas, a proporção
de vietnamitas vivendo com menos de dois dólares por dia caiu de 90%
para 30%.
5. “O mundo nunca foi tão desigual.”
Você já encarou em algum lugar, ainda que indiretamente, alguém citando aquele relatório da
Oxfam que afirma que o 1% mais rico do planeta detém mais riqueza do
que os 50% mais pobres e que segundo a previsão, os mais ricos teriam
mais do que os 99% restantes em pouquíssimo tempo, não é mesmo? Todo
mundo leu essa notícia ano passado: a desigualdade no mundo estava
atingindo os maiores níveis já registrados.
Loucura,
não? Mas e se a história não fosse exatamente como a que está contada? E
se, pelo contrário, a desigualdade no mundo estivesse desabando?
A primeira coisa que você deve saber sobre o relatório da Oxfam é que eles utilizam dados do Credit Suisse para
estimar a riqueza líquida dos cidadãos ao redor do mundo. Só tem um
problema com esses dados: a grande maioria dos países não possuem dados
factíveis sobre os seus estoques de riqueza, uma vez que o que se taxa
normalmente é a renda. Não é possível alcançar um relatório minimamente
factível com a realidade desconsiderando isso.
Como aponta o economista do FMI, Carlos Góes, nesse artigo, o relatório da Oxfam não inclui:
- a riqueza informal – por exemplo: as casas nas favelas e periferias, que valem dezenas de milhares de reais e estão nas mãos dos mais pobres, apesar de não serem titularizadas pelo governo (e a conta do economista peruano Hernando de Soto é que há pelo menos $10 trilhões não contabilizados dessa forma);
- a riqueza implícita – como aquela prevista por sistemas de seguridade social;
- o relatório, de fato, inclui apenas imóveis e ativos financeiros – sendo que parte considerável da riqueza dos mais pobres são justamente bens de consumo duráveis, como aparelhos eletrônicos, carros, motos, eletrodomésticos, etc;
- e por fim, mistura a metodologia da Credit Suisse com as estimações da Forbes para a riqueza dos bilionários, sem apresentar qualquer justificativa que mostre por que ambas as metodologias são compatíveis.
É uma verdadeira salada estatística para alcançar o resultado inicial desejado: mostrar que o mundo nunca foi tão desigual.
Quase metade
do mundo não tem patrimônio líquido formal algum – entrando, portanto,
na parte mais pobre do relatório da Oxfam. Mas isso não significa que o
patrimônio não está lá, na mão dos mais pobres.
Pela
lógica enviesada do relatório, se você é um atendente de telemarketing
que vai ao trabalho com uma moto e não possui nenhuma dívida em seu
nome, está na metade mais rica do planeta. Se você é proprietário de uma
casa que vale, digamos, algo próximo dos cem mil reais, na periferia de
alguma grande cidade brasileira, já tem mais riqueza que bilhões de
pessoas somadas, visto que a maioria delas não possui imóveis
registrados (e no Brasil, segundo Paulo Rabello de Castro, quase
metade dos imóveis ainda não são titularizados). Dá pra levar a sério um
relatório que coloca atendentes de telemarketing e moradores da
periferia no topo entre os mais ricos do mundo, ao mesmo tempo em que
ignora bilhões de pessoas que têm suas riquezas não contabilizadas pela
análise?
Se você é
desses que torce o nariz toda vez que encara a palavra desigualdade num
texto como esse, pense no seguinte cenário: imagine que você tem o poder
de entrar numa máquina do tempo e voltar duzentos anos na história. O
que você acredita que iria encontrar pela frente? Castelos, nobres e
gente vestida da forma mais elegante possível?
Pode até
ser. Mas esse seria um retrato muito particular da sua viagem. De fato, o
que mais você encontraria pela frente seria pobreza: 75% da humanidade
vivendo com menos de um dólar por dia, na mais completa penúria. Esse
era o cenário. A imensa maioria das pessoas ao redor do mundo nasciam
pobres, viviam pobres, morriam pobres.
Foi nesse
exato ponto da história, no entanto, que reformas institucionais
começaram a explodir no noroeste da Europa, espalhando-se pelo
continente e atravessando o mar. Foram essas reformas que permitiram com que parte do mundo saísse da pobreza. É graças a elas que você pode agora acessar este artigo.
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