Luiz Maklouf Carvalho - O Estado de S.Paulo
Quase tudo acaba chegando no STF – incluindo as chamadas ações penais
originárias contra os que detém, também pela Constituição, o chamado
foro especial por prerrogativa de função. Entre eles estão o presidente
da República, os ministros, os governadores, os deputados e os
senadores.
Nas contas do procurador-geral da República, Rodrigo Janot – que se
recusa a dar entrevistas olho no olho, preferindo o biombo do e-mail –
22 mil detentores de cargos públicos tem direito a foro especial por
prerrogativa de função. Quando o cargo é federal, as ações penais vão
desaguar direto no barquinho furado do STF, para usar a metáfora do
ministro Ricardo Lewandowski.
“O Brasil é o país que mais dá foro privilegiado a mais pessoas”, diz o
doutor em Direito Newton Tavares Filho, consultor legislativo do Senado
Federal, onde já subsidiou estudos sobre o privilégio para projetos que
tramitam no Congresso, a maioria propondo restrições. Sua tese de
doutorado, na Sorbonne, França, foi sobre o ativismo do Supremo Tribunal
Federal. “O foro por função é um fator de lentidão, mas o que conta,
mesmo, é a estrutura colegiada – o relator tem que convencer os demais
ministros –, e, também, a complexidade da legislação processual”,
disse.
Dentro dos 77.159 mil processos registrados até a sexta-feira, 3.860 são
criminais – ações penais, extradições, habeas corpus, inquéritos,
prisão preventiva para extradição, revisão criminal e outras rubricas do
cipoal jurídico. Só de habeas corpus – medida que visa garantir a
liberdade – eram 3.064 à espera de uma decisão.
A pedido do Estado,
o ministro Dias Toffoli, que tem 4.068 processos, pediu que seu
gabinete fizesse uma conta de chegada apenas do acervo penal, desde que
ali chegou, em outubro de 2009, até o último dia 22 de setembro. Como
relator, foram 27 ações penais, 20 delas julgadas ou baixadas, com sete
em tramitação. Os inquéritos foram 137, 95 resolvidos. Os habeas corpus
chegaram a 2.871 – 400 só este ano. Foram julgados 2.691 – com 180
tramitando. Recursos ordinários em habeas corpus somaram 328, restando
45. São números que o colocam num alto grau de aproveitamento.
“Reconheço que ainda há muito por fazer”, comentou, chamando a modéstia.
O ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato, tinha, no
gabinete, 7.358 processos – 249 deles penais, parte por foro
privilegiado. São 13 ações penais, uma extradição, 170 habeas corpus, e
65 inquéritos. A Lava Jato é só uma parte desse pacote. Na segunda
passada, 24, em colóquio sobre o STF organizado pela Associação dos
Advogados de São Paulo, Zavascki foi perguntado sobre a quantidade de
processos em tramitação. E desabafou: “Lamento dizer que desisto. Nós
precisaríamos de uns 200 ministros no Supremo. Não sei se isso aqui no
Brasil seria uma boa solução. Não tem como fazer milagres”.
“Quem criou esse bicho feio (o foro privilegiado para os políticos)
foi a emenda constitucional n.º 1, da Junta Militar, em 1969”,
informou, na sala de reuniões de seu escritório o advogado Carlos
Veloso, ex-ministro do STF por 16 anos. “Foi como colocar um elefante
dentro do Supremo.” A solução, para Veloso, é “acabar com essa
excrescência”.
Aos 80 anos, bem disposto, Veloso continua tenista, e não gosta de
perder. Gostaria que a Lava Jato andasse mais rápido, mas acha que o
tempo do Supremo não deve ser atropelado. “O Teori está fazendo o
possível – e está correto em não parar os outros processos”, afirmou.
Veloso é um entusiasta da Operação Lava Jato – “que está passando a
limpo o país”. Mas tem suas críticas: “Os benefícios são maiores que os
malefícios, mas isso não quer dizer que devemos aprovar os malefícios”,
disse. E especificou: “Eu, como juiz, não decretaria tantas prisões”.
O advogado e consultor Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF e seu
presidente nos tempos da Ação Penal 470, o chamado mensalão, é rápido no
jogo com as palavras: “Senhor, não nos deixeis cair em tanta ação”, já
disse, no plenário, referindo-se à chorreira de processos que chegam lá.
“O Supremo não tem como lavrar a jato suas decisões”, trocadilhou, para
o Estado,
durante um almoço no pontão do Lago Sul. “São 11 pares de olhos, 11
consciências, 11 experiências, 11 cuidados”, complementou. Sobre o
relator da Lava Jato, ministro Teori Zavaski, Ayres Britto disse: “É
discreto, devotado, independente e de honorabilidade imaculada”. Vale
lembrar que coube a Britto, quando presidente do Supremo (2012-2014), a
decisão política de levar a julgamento a Ação Penal 470, que ali
tramitava desde 2005.
“Petista” aqui. “Golpista” ali. O presidente da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), Cláudio Lamachia, já não estranha adjetivos açulados pelo
“clima de intolerância permanente” que o tem preocupado amiúde. “São
tempos tormentosos”, disse outro dia em uma reunião do Conselho Nacional
de Justiça, onde, admirador das frases de efeito, pediu “menos
confronto e mais encontro”, e desejou que “a tolerância vença a
arrogância”.
A OAB, como se sabe, foi oficialmente favorável ao impeachment da
presidente cassada Dilma Rousseff. Mais recentemente, Lamachia não se
furtou em criticar os procuradores da República de Curitiba pela “forma
espetaculosa” com que foi apresentada a denúncia contra o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. “Processo não é espetáculo, e o espetáculo só
atrapalha o processo”, disse ao Estado em seu gabinete na sede da OAB
nacional, em Brasília.
Lamachia vê normalidade na tramitação dos processos da Lava Jato no STF.
– O ministro Teori Zavascki não teria que apressar esses casos? “Se ele
sentir essa necessidade, e disser que isso tem que ser feito, eu serei o
primeiro a aplaudir”, respondeu. A seu entendimento, o foro por
prerrogativa de função” não prioriza a celeridade e deveria ser
drasticamente reduzido”, discussão que em breve será enfrentada pelo
Conselho Federal da OAB.
“Em alguns momentos o Supremo tem que saber aguardar, mesmo que todo
mudo esteja querendo sangue”, disse o advogado Luís Henrique Machado em
seu escritório do Lago Sul. Aos 35 anos, dez de formado, e doutorado em
andamento na Alemanha, Machado tem, entre seus clientes no Supremo
Tribunal Federal, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Não
para a Operação Lava Jato, onde outros advogados atuam, mas no caso que
talvez seja o primeiro envolvendo o senador alagoano a ir a julgamento
no STF: a denúncia, que tramita desde 2013, pelos crimes de peculato,
falsidade ideológica e uso de documento falso, por supostamente ter
recebido propina da construtora Mendes Júnior para pagar despesas de uma
filha com a jornalista Mônica Veloso. Relatado pelo ministro Edson
Fachin, o caso está liberado para julgamento no tribunal pleno desde o
dia 4 deste mês. Cabe a presidente, ministra Cárrmen Lúcia, agendar a
data.
Machado não fala especificamente sobre este processo, que tramita em
sigilo de justiça, mas faz críticas ao Ministério Público Federal,
denunciante de Calheiros neste e em outros casos. “O MPF deveria ter
mais cautela, e evitar que qualquer espirro já vire um pedido de
pré-investigação ao Supremo”, disse, em seu escritório no Lago Sul. “Uma
mera citação em delação premiada não é motivo para instaurar inquérito
contra ninguém”, complementou. Machado era um dos advogados do senador
ex-petista Delcídio do Amaral quando ele foi preso pela operação Lava
Jato. Deixou de ser quando Amaral fez a delação premiada sem sequer
perguntar a sua opinião.
“Pelo nosso acompanhamento, o ministro Teori está rigorosamente em dia
com os processos da Lava Jato”, disse o presidente da Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa. “Se
comparar com a Ação Penal 470 – o chamado mensalão –, que ficou
tramitando cinco anos antes de ir a julgamento, está até mais rápido”. A
entidade – que representa 14 mil juízes – é velha adversária do foro
privilegiado por prerrogativa de função. “Colabora para a impunidade e
para o congestionamento judicial”, arguiu, entre outros motivos. “A
morosidade do STF, no geral, se deve muito mais aos ritos processuais
obrigatórios, e não à celeridade dos gabinetes.”
Santos Costa está finalizando o mandato, e espera eleger o sucessor na
disputa que se avizinha. Entusiasmado com a Lava Jato – “um processo
fundamental para o Brasil” – está entre os críticos dos deslizes
eventuais. “Não é desejável que o Ministério Público fique adjetivando
ao apresentar suas denúncias, que deveria simplesmente narrar, com a
descrição das provas”, afirmou em seu gabinete na sede da entidade. Por
que não é desejável? “Porque transmite um juízo de certeza no momento em
que ainda tem todo um processo a ser instruído pelo juiz.”
extraídaderota2014bloogspot
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