por Celso Rocha de Barros Folha de São Paulo
Em "Governando o Vazio", publicado postumamente em 2013, o cientista
político irlandês Peter Mair identificou sinais preocupantes de
esvaziamento da política de massas moderna. O comparecimento eleitoral e
a identificação com partidos políticos (incluindo as filiações)
diminuíram em vários países desenvolvidos. Alguns dos grupos que antes
eram claramente representados por partidos –como o operariado industrial
pelos partidos de esquerda– se tornaram menores, ou mais complexos,
tornando difícil até descobrir o que, exatamente, os partidos deveriam
estar representando.
Enquanto o eleitorado se afastava dos políticos, os políticos também se
afastavam do eleitorado. Uma série de decisões políticas cruciais foi
afastada do jogo partidário, entregues a órgãos técnicos ou a
organizações internacionais (FMI, União Europeia, etc.). Pode haver um
ganho de eficiência nisso, mas há também perda de representatividade. Há
o risco de nos vermos diante da escolha entre populistas que dizem nos
representar e quadros técnicos que se dizem apolíticos.
Diante disso, Mair alerta para o risco da "Síndrome de Tocqueville".
Segundo Alexis de Tocqueville, o desprezo pela nobreza na França
pré-revolucionária se explicava pela sua perda de função: a nobreza, em
um período anterior, desempenhara atividades ligadas à guerra, à
administração da justiça etc. Mas, às vésperas da Revolução, já não
tinha uma função prática muito evidente. Isso tornava seus privilégios
muito menos toleráveis. Políticos que não fazem diferença podem gerar na
população o mesmo sentimento.
Mair morreu em 2011. Nos anos mais recentes, efeitos ruins da crise de
representatividade que identificou parecem evidentes. Houve uma ascensão
de partidos populistas ao redor do mundo, inclusive nas democracias
desenvolvidas, que pareciam imunes ao fenômeno. Há poucos anos,
fenômenos como a candidatura Trump nos Estados Unidos, a vitória do
Brexit ou o crescimento de Marine Le Pen na França seriam impensáveis.
Houve viradas autoritárias na Hungria, na Polônia, e, mais
dramaticamente, na Turquia e na Venezuela. Mesmo democracias periféricas
robustas, como o Chile, experimentaram ondas de protestos e declínio do
grau de identificação com os principais partidos.
Pensemos agora no Brasil, em quem você provavelmente já estava pensando
desde o primeiro parágrafo. Desde 2014, houve um estelionato eleitoral e
uma troca de presidente por manobra parlamentar, com a ascensão ao
poder do grupo derrotado na eleição anterior. Isso não foi ilegal, mas
está longe de ser o "business as usual" da democracia. Constitui, aliás,
a diferença mais gritante do impeachment de 2016 com o de 1992: Itamar
não aplicou uma versão radical do programa com que Lula perdeu em 1989.
Você tem todo direito de achar o processo em curso bom ou, ao menos,
necessário, mas, mesmo se for o caso, é preciso reconhecer que um preço
está sendo pago em democracia. Não conseguimos negociar um ajuste fiscal
eleitoralmente aceitável: isto foi, indiscutivelmente, um fracasso.
Quanto aos políticos brasileiros, é bom que tomem cuidado com a
"Síndrome de Tocqueville". Até porque, diga-se o que quiser da
aristocracia francesa, ela não estava prestes a ser delatada pela
Odebrecht em 1789.
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