Carlos Newton
O ministro Teori Zavascki, que tem sido por demais prudente na condução dos inquéritos da Lava Jato, que se arrastam na costumeira letargia do Supremo Tribunal Federal, acabou se mostrando imprudente ao conceder a liminar requerida por um integrante da Polícia do Senado (leia-se: requerida por determinação do senador Renan Calheiros). Numa questão delicada como esta, que envolve os três Poderes da República, teria sido mais recomendável ouvir a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e a 10ª Vara Federal Criminal de Brasília, antes de tomar a decisão. Mas o ministro-relatornão agiu assim. O foi logo acolhendo a liminar, no estilo “inaudita altera pars” (sem ouvir as outras partes envolvidas na questão).
Não satisfeito em suspender a Operação Métis, Zavascki determinou que as maletas antigrampo apreendidas pelos federais sejam enviadas para o seu gabinete. Foi uma medida ensandecida e contraditória, porque o Supremo não tem a menor condição de periciar os equipamentos e precisará pedir apoio técnico aos especialistas da própria Polícia Federal, vejam como o ministro agiu impulsivamente.
RENAN E GILMAR – Fica claro que o ministro-relator se deixou levar pelas emocionadas e espetaculosas manifestações do presidente do Senado e do ministro Gilmar Mendes. Segundo dispõe a Lei Orgânica da Magistratura, magistrados estão impedidos de externar opinião em causa alheia, mas Gilmar Mendes não se contém e dá pitaco em qualquer assunto, só falta participar de mesa-redonda de futebol.
Zavascki se emocionou com os argumentos dúbios de Gilmar Mendes (“Colocar polícia no Congresso não é o melhor método”), e de Renan Calheiros (“Se a cada dia um juiz tomar uma decisão, estaremos passando a um Estado de exceção depois de um estado policialesco, como disse Gilmar Mendes em 2009”).
Aparentemente, Gilmar e Renan podem até ter razão. Mas as aparências quase sempre enganam. A operação da PF tinha fortes fundamentos, todos são iguais perante a lei e o Senado é uma casa do povo, não dispõe das prerrogativas de inviolabilidade.
UMA TESE ARDILOSA – Constata-se que o ministro Zavascki se deixou levar por uma tese ardilosa, levantada por Renan, de que a Polícia do Senado tem competência para fazer varreduras a pedido de parlamentares. Trata-se de um argumento óbvio, nem deveria entrar em discussão. O que o relator do Supremo teria ter levado em conta (e nem considerou) é que a Polícia do Senado jamais poderia ser usada para varreduras em casas de ex-parlamentares, como José Sarney e Lobão Filho, e muito menos em residência de genro de ex-senador, conforme ocorreu, e com despesas extras de viagem da equipe até São Luís do Maranhão.
Zavascki agiu de forma primária e ingênua. Não percebeu que a principal justificativa da Operação Métis nem eram as varreduras ilegais, que efetivamente existiram, mas os repetidos atos de obstrução da Justiça, cometidos pela Polícia do Senado.
Foram quatro tentativas seguidas para impedir a busca e apreensão no apartamento funcional de Fernando Collor, com mandado judicial emitido pelo próprio Supremo, tendo como signatário o ministro Celso de Mello, mas o relator Zavascki nem considerou esse fato, mais do que comprovado no relatório da equipe da Polícia Federal.
CÁRCERE PRIVADO – No apartamento funcional, indevidamente usado como “escritório” por Collor, o diretor da Polícia do Senado, Pedro Ricardo Araújo, chegou a ponto de trancar a porta do apartamento, para impedir a saída da delegada federal e dos agentes que executavam a operação. A equipe da PF só conseguiu sair, porque a delegada ameaçou dar voz de prisão ao pretensioso diretor da Polícia do Senado, por crime de cárcere privado.
O ponto central da Operação Métis não eram as varreduras (repita-se, “ad nauseam”, como dizem os juristas), mas a reiterada prática de obstrução da Justiça, que já havia ocorrido antes, no caso da busca e apreensão no apartamento do casal Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann. Mas o impetuoso ministro Zavascki nem percebeu essa realidade.
O relator do Supremo agiu como se o juiz Vallisney Oliveira tivesse extrapolado em sua competência funcional. Ao suspender a Operação Métis, o ministro procedeu como se a Justiça Federal houvesse invadido o foro privilegiado dos senadores, mas isso jamais aconteceu. A não ser que Zavascki considere que a Polícia do Senado também possui foro privilegiado, e aí seria caso de internação.
AGRAVANDO A CRISE – Com uma inabilidade impressionante, Zavascki conseguiu agravar a crise institucional. Ao mesmo tempo, desautorizou um juiz federal de currículo brilhante e inatacável, que não dá entrevistas nem procura notoriedade, e desautorizou também o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, considerado um dos melhores juristas da nova geração, autor de importantes obras e ensaios de Direito Constitucional.
Moraes tinha afirmado que a Polícia do Senado “extrapolou sua competência”. O relator Zavascki discordou do ministro da Justiça e decidiu de imediato que foi o juiz federal Vallisney Oliveira quem extrapolou. Com isso, Zavascki declarou que o ministro Alexandre de Moraes também extrapolou, vejam bem o grau de esculhambação institucional em que este país está mergulhado.
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PS – Já ia esquecendo. O presidente Temer afirmou o seguinte: “Não entro no mérito da decisão, seria pretensão demais, não é? O que eu posso dizer é que, processualmente, foi uma medida correta“. Em tradução simultânea, Temer apenas disse que Zavascki tinha direito processual de aceitar ou recusar a liminar. Não disse se Zavascki agiu certo ou errado. Mas o título da matéria no importante site G1, da Organização Globo, foi o seguinte: “Decisão de Teori de suspender Operação Métis foi ‘correta’, diz Temer”. Ou seja, os jornalistas não conseguem entender nem mesmo o que publicam. (C.N.)
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