editorial da Folha de São Paulo
Não cabe o termo "esculacho" porque a rudeza não combina com o perfil de
Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal. Foram ainda assim
durasas palavras que a ministra proferiu durante sessão do Conselho Nacional de Justiça nesta terça-feira (25).
Após afirmar que os integrantes do Judiciário respeitam os membros dos
outros dois Poderes, sentenciou: "Queremos também —queremos não,
exigimos— o mesmo e igual respeito para que a gente tenha uma democracia
fundada nos princípios constitucionais".
Embora o recado estivesse claro, assim como seu destinatário direto, a
ministra acrescentou: "Não é admissível que, fora dos autos, qualquer
juiz seja diminuído ou desmoralizado. Como eu disse, onde um juiz for
destratado, eu também sou.
Qualquer um de nós juízes é".
Cármen Lúcia não mencionou o nome de Renan Calheiros (PMDB-AL) dada a
óbvia desnecessidade. Um dia antes, o presidente do Senado praguejara contra uma ação da Polícia Federal autorizada por um "juizeco de primeira instância".
Renan referia-se ao magistrado Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, que determinou a prisão temporária de quatro agentes da Polícia Legislativa do Senado acusados de impedir ou embaraçar investigações no âmbito da Lava Jato.
As imprecações do peemedebista não pararam por aí. Dirigiram-se também a
Alexandre de Moraes, classificado de "chefete de polícia". Na
sexta-feira (21), o ministro da Justiça defendeu a atuação da PF —a
qual, na visão de Renan, empregou "métodos fascistas".
Diga-se, a respeito do episódio, que há algo de nebuloso em relação à
operação realizada na sexta. Se parece bastante verossímil a suspeita de
que um braço da Polícia Legislativa tenha sido transformado em guarda
pretoriana, não se pode descartar a hipótese de exagero por parte do
juiz federal.
As varreduras em busca de grampos fazem parte das atribuições da Polícia
Legislativa; ademais, discute-se se não deveria partir do STF a ordem
para a ação.
Seja como for, a estridência de Renan, em tudo incompatível com a
liturgia do cargo que ocupa, revela o quanto seus nervos estão à flor da
pele —supõe-se que devido à marcha ininterrupta da Lava Jato, que tem
no presidente do Senado um de seus investigados.
Enquanto restringir seu destempero ao campo retórico, fazendo dele uma
satisfação à numerosa categoria dos políticos preocupados com a Justiça,
Renan provocará apenas um indesejável atrito entre Poderes. Se der um
passo além desses limites, contudo, afrontará a Lava Jato. Que o exemplo
de Eduardo Cunha sirva de alerta.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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