Rubens Figueiredo: O Estado de São Paulo
O Brasil atravessa um processo de polarização política que se reflete
fortemente na discussão virulenta de ideias, muitas vezes obscurecendo
um debate que deveria ser esclarecedor. A discussão envolve lados bem
definidos.
O primeiro é formado “pelos portadores exclusivos de verdades
universais”, que usam e abusam da falácia da autoridade e dizem zelar
pelo que consideram os valores mais nobres da existência humana, embora
essa defesa se materialize na elevação dos padrões de qualidade de vida
mundanos desses zelosos personagens. Aqui, o discurso é centrado na
redução da desigualdade à custa de uma presença determinante da
atividade estatal, seja por meio do contraproducente planejamento
intervencionista na atividade produtiva, seja por meio de políticas
redistributivas irresponsáveis, que deságuam no descalabro fiscal.
Fortalecem essa visão a apologia da diversidade e a hipervalorização da
expressividade das minorias (étnicas, sexuais, etc.), elevadas à
categoria do absoluto. Para esse grupo, a igualdade é mais importante
que a liberdade. O Estado é um saco sem fundo.
No outro lado se alinham aqueles que entendem que o importante é a busca
da eficiência e o Estado deve ser racional. A redução da desigualdade é
igualmente a meta perseguida, mas o caminho é o estímulo à
livre-iniciativa. Quem cria empregos são as empresas, e não as
repartições públicas. O Estado deve ser ocupado por funcionários
competentes, não por defensores de causas.
Para que isso se concretize é necessário melhorar o ambiente de
negócios, dar estabilidade às ações governamentais e ganhar a confiança
dos agentes econômicos. O normal é ser normal, e não um empedernido
defensor de alguma diversidade. Para este grupo, a liberdade gera a
igualdade possível. Para criar um sistema produtivo eficiente a gastança
estatal deve ser evitada a todo custo.
Embora, na média, intelectualmente bem menos evoluídos, os integrantes
do primeiro grupo se sentem no direito de rotular os que não vibram com
seu credo de atrasados, reacionários e direitistas. Eles desconhecem os
ensinamentos da História, minimizam as derrapadas da realidade
imaginária que comungam e se sentem desconfortáveis ao ficar frente a
frente com dados, indicadores e comparações estatísticas. Acham Cuba uma
sociedade melhor do que a americana, embora os próprios cubanos queiram
sair de Cuba e ir morar nos Estados Unidos.
O outro lado, por sua vez, também se imagina superior. Seus integrantes
se sentem desconfortáveis quando são postos na defensiva. Aceitam
passivamente a pecha de reacionários e se sentem absolutamente
descomprometidos com a tarefa de convencer a opinião pública da
proeminência de suas ideias. É como se “fazer política” tirasse um pouco
da nobreza supostamente perceptível da sofisticação teórica que embala
seus ideais, que deveriam, por sua imaginária insuperável qualificação,
ser interiorizados por todos como numa espécie de disseminação
espontânea e irresistível da consciência coletiva mais elaborada.
Essas tendências se digladiam com os instrumentos que cada qual tem à
sua disposição. Acuada pelos acontecimentos e trabalhando num meio
ambiente reconhecidamente hostil – seja pela monumental crise econômica
que provocou, seja por estar empunhando o porta-estandarte do Grêmio
Recreativo Unidos da Corrupção –, a esquerda vocifera estapafúrdias
teses golpistas e evoca, num mecanismo falacioso que deixa exposta sua
desonestidade também intelectual, um suposto corte nos benefícios
sociais, como se reformar a Previdência fosse uma iniciativa contra o
povo.
Já o outro lado parece ter certo constrangimento em expor as mazelas
criadas por um governo reconhecidamente inepto, irresponsável e
corrupto. Está diante da espinhosa tarefa de convencer uma sociedade que
recentemente se viu às voltas com a euforia da explosão de consumo de
que passaremos por um período de sacrifícios – e que isso é para o bem. E
não tem, ao contrário de seus opositores, porta-voz, partido e
movimentos sociais capazes de ser ao menos visíveis.
Esses princípios duelam em temas que frequentam o dia a dia dos mortais.
Um deles é o da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). A pergunta: é
necessário termos uma comunicação “pública”? Ela seria pública ou
estatal, instrumentalizada pela corrente política predominante?
E mais: o ensino deve ser eivado de uma carga elevada de pregação
ideológica ou não? Reformar a Previdência é retirar direitos sociais ou
garanti-los? Modernizar a caquética legislação trabalhista é trair a
causa dos trabalhadores ou favorecê-los com mais oportunidades de
emprego? Vender ativos da Petrobrás para torná-la viável como empresa,
libertando-a da condição de apêndice remuneratório de partidos, é uma
providência necessária ou um ato de lesa-pátria?
Na verdade, viveremos o obscurantismo com esse debate rasteiro. Uma
nação somente evolui quando a divergência tem como motivação a busca do
melhor caminho para a coletividade. O embate obtuso entre uma esquerda
ultrapassada e fanática e uma postura liberal cheia de si, que se
acovarda diante da necessidade de convencer a sociedade sobre a
superioridade das suas convicções, nos levará a um impasse
perigosíssimo.
A hora é agora. Eles jogaram um país inteiro na lona e estão
fragilizados. Ou assumimos com força nosso papel de formadores de
opinião ou estaremos eternamente condenados a suportar aqueles 40
gatos-pingados com suas puídas bandeiras vermelhas protestando, com ares
de donos da verdade e ampla repercussão, contra o que reconhecidamente
deu certo em todo o mundo desenvolvido e é melhor para mais de 200
milhões de brasileiros.
extraídadeavarandablogspot
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