A ciranda da corrupção colocou ex-intocáveis na roda. Vão todos cirandar na Lava Jato RUTH DE AQUINO
Parece história da carochinha, mas não é. O roteiro era censurado a nós. A promiscuidade político-empresarial ronda a pornografia. O Brasil de Cabral é redescoberto pelo juiz Sergio Moro. É salutar, é um curso de ética ministrado a fórceps. A prisão do poderoso Eduardo Cunha, cercado por lenhadores e ninjas tatuados da Polícia Federal, está inserida nessa ciranda. Por enquanto, os presos esperam dar apenas a meia-volta. Mas volta e meia vamos dar. É preciso crer no cancioneiro popular.
A história do anel, embora centrada no Rio de Janeiro, está carregada de simbolismo nacional e federal – é a joia da coroa num país onde a troca de favores envolve bilhões e macula a reputação de presidentes da República. Pensar em presentes pessoais de quase R$ 1 milhão, no estado mais falido hoje da Federação, é algo surreal. Em reportagem exclusiva do jornal O Globo, fomos informados do singelo anel de € 220 mil (equivalentes a cerca de R$ 800 mil) que Cavendish deu à então primeira-dama do estado do Rio, formada em Direito, advogada atuante.
No dia 18 de julho de 2009, Cabral levou Cavendish a uma joalheria de Monte Carlo, em Mônaco, a Van Cleef & Arpels, na Place du Casino, para pegar o presente de Adriana, que já estaria reservado. A conta teria apanhado o empresário de surpresa. Adriana colocou o anel na mão esquerda em seu jantar de aniversário, num restaurante que é uma pequena réplica do Palácio de Versalhes.
A foto com o anel foi entregue por Cavendish aos investigadores da Lava Jato como um mimo da delação premiada. Para provar que comprou a joia, o empreiteiro passou a nota fiscal e o comprovante de seu cartão de crédito. Cabral confirmou o presente, mas negou ter achacado o amigo e disse ignorar o valor do “cadeau”. Devolveu o anel a Cavendish quando os dois romperam a amizade em 2012. O motivo alegado da briga? Na Operação Monte Carlo, descobriu-se que o dono da Delta usava as empresas do bicheiro Carlinhos Cachoeira para lavar dinheiro. Quem devolveu o anel a Cavendish foi um amigo e assessor de Cabral, Paulo Fernando Magalhães Pinto. Curiosamente, está no nome do mesmo Paulo Fernando o luxuoso Ford Ranger que Cavendish disse ter dado a Cabral de presente.
O grupo gostava de comer e beber bem na Europa e de adornar a cabeça com guardanapos, dançando nas ruas. Até aí, farras inofensivas da vida, se não envolvessem um empreiteiro que conseguira dobrar seu faturamento graças à amizade com o governador. A Delta de Cavendish faturou R$ 11 bilhões em obras no Rio entre 2007 e 2012, pelo que se sabe até agora. Em maio, ex-executivos da Andrade Gutierrez disseram que Cabral só permitiu a entrada da construtora no consórcio de reforma do Maracanã junto com a Odebrecht sob uma condição: que não se mexesse nos 30% da Delta. Cabral reagiu “com indignação” a essa acusação.
Os laços não eram apenas profissionais. A tragédia pessoal também os uniu. A queda de um helicóptero em Porto Seguro, na Bahia, em 2011, matou a namorada do filho de Cabral, Mariana Noleto, e a mulher de Cavendish, Jordana Kfuri. Por pouco, não foram os homens as vítimas. Por falta de lugares no helicóptero, mulheres e crianças foram na frente. Entre os sete mortos estava a irmã de Jordana, Fernanda Kfuri, de 35 anos, que, segundo versões, namorava Cabral. O governador e a mulher, Adriana, se separaram durante um tempo após o acidente, mas Cabral jamais confirmou o caso.
No mundo todo, há ligações moralmente condenáveis entre o Poder e empresários. Ou entre presidente e congressistas. No Brasil, foi longe demais. Tudo andou tão desregrado por tanto tempo que as cenas de hoje parecem improváveis. Como imaginar que Eduardo Cunha e o ex-ministro de Lula, Antonio Palocci, estariam ambos presos um dia, separados por uma cela e impedidos de tomar sol juntos, para não atrapalhar investigações sobre propina e corrupção? O Brasil deixou de ser um país de “faz de conta”, afirmou Moro. Queremos acreditar. A paralisação das atividades no Congresso logo após a prisão de Cunha leva a crer que o medo se espalhou em Brasília. Quem tiver culpa nessa ciranda, diga um verso bem bonito, diga adeus e vá se embora.
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