Ricardo Vélez Rodríguez: O Estado de São Paulo
Ao longo das últimas décadas o Primeiro Comando da Capital (PCC)
converteu-se no cartel do “Narcosul”. Nascido da reação contra o
massacre do Carandiru (1992), o PCC já domina a maior parte dos
presídios brasileiros. E dessa posição passou a dominar o tráfico de
drogas no Brasil e na região do Mercosul. Daí o nome dado pelos
meliantes à organização: “Narcosul”. É o que revela a pesquisa publicada
pela revista Veja sob o título: O Carandiru e o PCC" (edição 2498, de
5/10, páginas 84-97).
Era questão de tempo o Brasil ter o seu grande cartel das drogas.
Acontece que, em política, se falta a perspectiva estratégica (que,
infelizmente, está longe da mente dos nossos políticos), fica aberta a
porta para eventos negativos. É o que está acontecendo com a força
demonstrada pelo PCC em matéria de narcotráfico. Hoje ele é a principal
organização criminosa brasileira, que rivaliza, em lucros, com as
maiores empresas do País, chegando a ocupar a 16.ª posição, com ganhos
da ordem de R$ 20,3 bilhões por ano, à frente de grandes empresas como a
Volkswagen e a JBS Foods.
Como se chegou a isso, depois de termos conhecido as desgraças
patrocinadas na Colômbia pelo cartel de Medellín, de Pablo Escobar, nos
anos 80 e 90 do século passado? A resposta é: descaso e populismo.
Esse perigoso binômio nos levou a menosprezar a lição dada pela Colômbia
após sofrer a dura guerra do narcotráfico e da narcoguerrilha, com os
seus mais de 250 mil mortos. Lembro que no final dos anos 90 fiz uma
palestra no Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, no
Rio de Janeiro, acerca das desgraças produzidas pelo narcotráfico na
“Cidade Maravilhosa”, que se tornou incontrolável depois do ciclo
populista dos dois governos de Leonel Brizola.
Alertava, na época, para o risco de o Brasil se tornar palco do
crescimento de grandes cartéis de drogas em decorrência do vácuo que o
populismo abriu em matéria de segurança pública e também como
consequência do vazio econômico provocado pela insegurança jurídica
ensejada pelo “socialismo moreno” do caudilho gaúcho, que fez mais de
800 empresas abandonarem o Rio de Janeiro quando da primeira
administração brizolista, que começou em 1983, à sombra da retórica
socialista das “perdas internacionais” que o capitalismo teria trazido
ao País. Brizola, efetivamente, deu o grande passo em matéria de abrir
espaço para o crime organizado, ao pregar que a polícia não subia em
morro. Os traficantes ocuparam rapidamente o vácuo aberto e, orientados
pelos meliantes colombianos, começaram a adquirir armamento pesado. Data
daí a explosão da violência que o narcotráfico ainda impõe aos cidadãos
cariocas.
O empurrão inicial dado pelo brizolismo ao narcotráfico no Rio veio ser
potencializado, em nível nacional, pelos 13 anos de populismo
lulopetista, que simplesmente abriram as portas para o mercado de
tóxicos no Brasil. Lula, no palanque em Santa Cruz de La Sierra, na
Bolívia, com Evo Morales, no início do seu primeiro governo, ostentando
no peito um colar feito de folhas de coca: foi essa a imagem que
percorreu o mundo do narconegócio, indicando o “liberou geral” dos
petistas para a produção e a distribuição das drogas. Rapidamente o
Brasil viu aumentar de forma fantástica a entrada de pasta-base de coca
boliviana. Ococalero Evo
Morales não fez por menos: ao longo dos governos petistas, simplesmente
duplicou a extensão que os bolivianos dedicavam ao cultivo da folha de
coca, a fim de destinar a maior parte da produção ao mercado de tóxicos
brasileiro.
Resultado: viramos mercado para a droga, ao mesmo tempo que nos firmamos
como corredor de exportação de narcóticos para a Europa. Do mercado
americano, cada vez mais próspero, os nossos meliantes deixaram que
cuidassem os mexicanos, que ocuparam rapidamente o vácuo deixado com a
morte de Pablo Escobar, em 1993. As coisas facilitaram-se enormemente
para os traficantes da América do Sul com a instauração, na Venezuela
chavista, de um autêntico narco-Estado, que passou a proteger a
narcoguerrilha colombiana das Farc e intermediou a compra de armas
(lembremos que Fernandinho Beira-Mar era um dos elos da cadeia de
aquisição de armas em troca de cocaína no mercado americano e também no
Brasil).
O corredor brasileiro de exportação de cocaína transladou-se do
Centro-Sul do País para as desguarnecidas cidades do Norte e do
Nordeste, carregando consigo a sua procissão de assassinatos e violência
generalizada, que explodiu nessas regiões. A África Ocidental, ocupada
por narco-Estados, passou a ser a nova fronteira a ser atingida pelos
traficantes brasileiros. Mas o Brasil virou também, como previam os
mafiosos italianos no final dos anos 1980, um próspero mercado para o
consumo de entorpecentes.
Segundo a pesquisa divulgada pela revista Veja (na
edição citada no início deste artigo), o Brasil tem 2 milhões de
viciados em cocaína, 1 milhão de dependentes de crack e 1,5 milhão de
usuários de maconha. Esses consumidores regulares de tóxicos garantem ao
PCC um lucro que, como frisei anteriormente, chega hoje aos R$ 20,3
bilhões por ano. Vai ser difícil nos desfazermos dessa indústria da
morte, hoje plenamente estabelecida e que funciona pelo País afora,
dinamizada pela enorme e abandonada população carcerária (que já chega a
550 mil indivíduos), dominada em sua maioria pelo PCC. Um verdadeiro
exército da morte, que espalha assassinatos nos presídios e em todos os
cantos do Brasil! Mais uma herança perversa do populismo brasileiro.
Abre-se, pois, nova frente para desmontarmos o descaso aberto no País
pelo populismo. Mas é melhor agirmos enquanto é tempo. O PCC já mostrou
que tem bala na agulha.
*Coordenador do centro de pesquisas estratégicas da UFJF, professor
emérito da Eceme, é docente da Faculdade Arthur Thomas, Londrina e-mail:
rive2001@gmail.com
extraídaderota2014blogspot
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