editorial do Estadão
Diante do que se sabe a respeito do personagem, a prisão preventiva de
Eduardo Cunha tem um claro significado moralizador. A condescendência
com o crime causa deletérios efeitos, e a ordem de prisão expedida pelo
juiz Sergio Moro contra o ex-presidente da Câmara dos Deputados é um
poderoso símbolo do combate à impunidade.
A prisão revela também outra faceta, não menos importante, da vida
institucional brasileira. Ela evidencia, mais uma vez, a disparidade que
existe entre a primeira e a última instância do Poder Judiciário a
respeito do significado do tempo. O pedido de prisão foi formulado pela
Procuradoria-Geral da República (PGR) no início de junho, quando a ação
ainda estava no Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria do
ministro Teori Zavascki. Na ocasião, Eduardo Cunha, ainda no exercício
do mandato de deputado federal, tinha foro privilegiado. Pois bem, o
pedido da PGR ficou por quatro meses sem qualquer resposta da parte de
Zavascki. Uma vez cassado o mandato de Cunha, a ação foi remetida à 13.ª
Vara Federal de Curitiba. O juiz Sergio Moro precisou de apenas uma
semana para analisar o processo e expedir um fundamentado mandado de
prisão.
Não se trata de caso isolado. É evidente que a Lava Jato na primeira
instância anda. Basta ver que, até meados de setembro, foram lavrados
106 condenações, 112 pedidos de cooperação internacional, 70 acordos de
colaboração premiada, 49 acusações criminais contra 239 pessoas, R$ 38,1
bilhões em pedidos de ressarcimento e multas. Já na última instância, o
ritmo é outro. Não se nega a existência de avanços na Lava Jato no STF,
mas numa velocidade bem diferente da que se constata em Curitiba, por
exemplo.
Há quem pretenda justificar a lentidão do STF com o argumento de que
esta não é uma corte penal. Alega-se que a sociedade brasileira deveria
ter uma natural compreensão com um ritmo mais pausado do STF, tendo em
vista sua natureza de tribunal constitucional.
A desculpa, porém, não prospera. Não é de hoje que o STF tem competência
penal nos casos de foro privilegiado. A Constituição de 1824, quando o
Brasil ainda era Império, já previa a competência da mais alta Corte do
País para julgar “delictos, e erros do Officio, que commetterem os seus
Ministros, os das Relações, os Empregados no Corpo Diplomatico, e os
Presidentes das Provincias”. Tal sistema foi mantido nas Constituições
republicanas, com expressa previsão da competência do STF para julgar
ações penais de algumas autoridades. Como, então, o Supremo não está
preparado para se desincumbir de seu mister?
Também não se pode alegar excesso de trabalho. É conhecido o expressivo
número de processos que cada ministro do STF tem sob sua
responsabilidade, mas cada um também tem – havendo necessidade – a
prerrogativa de requisitar juízes que o auxiliem em seu abundante
trabalho.
A questão principal não é o volume de trabalho nem a identidade da
Suprema Corte. Os tempos do STF revelam como a Corte administra suas
prioridades. Tem-se a impressão que as questões penais de foro
privilegiado entram na fila comum dos processos. Certamente, se assim
for, razão há para um ritmo bem lento. Não faz muito o STF julgou uma
ação de reconhecimento de paternidade que tramitava na Corte há 33 anos.
Quando por unanimidade os ministros decidiram o desfecho do caso, o
pai, a mãe e o filho já haviam falecido. É um caso escandaloso, mas
afeto, enfim, a uma única família. Os casos da Lava Jato dizem respeito à
moralidade da administração, à lisura da atividade política e à
sanidade da vida social. Aqui, a família não é a família nuclear, mas a
família nacional que está à espera de desfechos.
A competência do STF nas ações penais em casos de foro privilegiado
revela a importância desses julgamentos para a vida institucional
brasileira. Tais ações merecem absoluta prioridade na pauta de cada
ministro. Causaria muito mal ao País a ideia de que as autoridades que
se deixam enredar pela Justiça e têm seus casos avocados pelo Supremo
contem as horas em ritmo diferente dos mortais que começam a penar na
primeira instância.
Eduardo Cunha não precisou de muito tempo para perceber como a Justiça
pode ser célere. Seria muito positivo que os investigados no STF
pudessem ter também semelhante experiência.
extraidadeavarandablogspot
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