Eduardo Bresciani e André de Souza - O Globo
Para driblar o teto, porém, os tribunais pagam aos magistrados recursos a
títulos variados de “indenizações”, “vantagens” e “gratificações”, com
respaldo legal dado por decisões do próprio Judiciário ou resoluções dos
conselhos Nacional de Justiça (CNJ) e da Justiça Federal (CFJ), que têm
a atribuição de fiscalizar esse poder.
O levantamento revela que a média das remunerações recebidas por
magistrados da Justiça comum é de R$ 39,2 mil. Esse valor exclui, quando
informado pelas cortes, os pagamentos a que fazem jus todos os
servidores dos Três Poderes: férias, 13º salário e abono permanência,
montante pago a todo servidor que segue na ativa mesmo já podendo ter se
aposentado.
MÉDIA DE RENDIMENTOS DE R$ 39,4 MIL
A média dos rendimentos nos tribunais estaduais ficou em R$ 39,4 mil,
acima da obtida na Justiça Federal, de R$ 38,3 mil. No entanto, no
âmbito federal nove em cada dez magistrados (89,18%) ultrapassaram o
limite constitucional, percentual maior que os 76,48% registrados nos
tribunais estaduais. No STJ, 17 dos 31 ministros receberam mais do que
os ministros do STF, graças a indenizações como auxílio-moradia e ajuda
de custo.
Um grupo seleto de cortes chama atenção pela vastidão do descumprimento:
nos tribunais de Justiça de Distrito Federal, Mato Grosso, Rio de
Janeiro e Minas Gerais, e no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que
tem sede no Recife (PE) e abrange seis estados do Nordeste, mais de 99%
dos magistrados recebem vencimentos acima do recebido pelos ministros
do Supremo. Por outro lado, apenas em dois estados, Bahia e Pernambuco,
menos da metade dos magistrados recebe acima do teto. Além disso, são os
dois únicos tribunais em que a média dos vencimentos ficou abaixo dos
R$ 33.763 obtidos pelos ministros da Suprema Corte.
A maior média foi registrada em Sergipe, com R$ 54 mil, seguido de Mato
Grosso do Sul e Mato Grosso. Nesses casos, porém, os tribunais
recusaram-se a informar quais magistrados receberam férias, antecipação
do 13º salário ou abono permanência em agosto, o que pode levar à
redução na média dos vencimentos. Entre os que forneceram os dados
detalhadamente, Rondônia foi o estado que pagou as maiores remunerações,
com média de R$ 41,2 mil por magistrado.
O levantamento identificou dezenas de casos de magistrados país afora
que ultrapassaram R$ 70 mil em vencimentos (mais que o dobro do teto) e
até um desembargador, em Rondônia, que ganhou R$ 111.132,44, acumulando
gratificações, licença não gozada convertida em salário extra, e
pagamentos retroativos de auxílio-moradia. Trata-se do maior vencimento
entre os estados que detalham o pagamento de férias, 13º e abono. Entre
as cortes que não subdividem as informações, o recorde ficou com
Sergipe, onde um desembargador recebeu em agosto R$ 141.082,20 — isso
após serem descontados R$ 4.325,89, a título de “abate-teto”.
No Rio, descontados os que receberam férias, a maior remuneração foi de
um juiz de Valença: R$ 62,9 mil. Ele teve direito a gratificações por
acumular a função em mais de uma vara e por ministrar aula na Escola
Superior de Administração Judiciária, que pertence à Corte. Há ainda o
caso de nove desembargadores e uma juíza que receberam mais de R$ 60
mil. O tribunal não identificou o tipo de vantagens que formaram esses
vencimentos.
DRIBLE MAIOR ENTRE DESEMBARGADORES
Quando se observam só os desembargadores, verifica-se que a norma
constitucional do teto vem sendo driblada de forma ainda mais frequente.
Só 51 dos 1.671 desembargadores do Brasil receberam nas folhas
analisadas remunerações abaixo do teto. A média dos vencimentos dos
desembargadores foi de R$ 46,6 mil. Em 13 estados e em três dos cinco
tribunais federais, todos receberam mais do que os ministros do STF. Em
11 estados e em outro tribunal federal, mais de 90% dos desembargadores
ficaram acima dos R$ 33.763.
Entre os juízes, foram 75,5% os que receberam mais do que os ministros do STF, com média de vencimento de R$ 38,2 mil.
Atual secretário do Programa de Parceria de Investimentos do governo
federal, o ex-deputado Moreira Franco foi o responsável por relatar a
emenda constitucional que fixou o teto, promulgada em 1998. Ele ressalta
que a intenção era justamente evitar que fossem utilizadas manobras
para aumentar os vencimentos.
— Lembro que eu sempre insistia: teto é teto, não pode ter claraboia.
Com o tempo, e uma certa leniência com o rigor na fiscalização, foi se
gerando essa deformação. As categorias mais vinculadas ao mundo jurídico
foram incorporando muitas vantagens; em alguns estados, chega-se a ter
dois contracheques para tentar evitar o teto — disse Moreira,
referindo-se a fato que ainda hoje ocorre no Mato Grosso do Sul.
Ex-ministra do STJ e ex-conselheira do CNJ, Eliana Calmon se destacou ao
fazer críticas às tentativas de driblar o teto quando ainda estava na
ativa:
— Isso acaba desgastando a imagem do Judiciário. Auxílio-moradia: todo
mundo mora. Por que o juiz vai receber? Auxílio-alimentação: todo mundo
se alimenta. Por que só o juiz vai receber? Então é ridículo. E isso
desmerece o Judiciário.
Ela recorda que sofreu forte resistência dos juízes federais quando, em
2013, deu o voto que levou o Conselho da Justiça Federal a rejeitar o
pagamento de auxílio-moradia a esses magistrados.
— Os juízes entendiam que os salários estavam congelados e precisavam de
aumento. Como o governo não dava aumento, então se arranjaram esses
penduricalhos — afirmou Eliana Calmon.
LEVANTAMENTO CUIDADOSO NAS CORTES
Para conseguir realizar uma radiografia das remunerações pagas aos
juízes, O GLOBO debruçou-se durante cinco semanas sobre as folhas de
pagamentos de 13.790 magistrados da Justiça comum brasileira. Trata-se
não apenas dos 27 tribunais de Justiça dos estados e do Distrito
Federal, mas também do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos cinco
Tribunais Regionais Federais (TRFs) e suas 27 seções judiciárias,
responsáveis por abrigar as ações que envolvam direta ou indiretamente a
União.
Foram verificadas as últimas folhas salariais que estavam disponíveis
nos portais de transparência dos tribunais em 15 de setembro, quando o
trabalho foi iniciado. A maioria delas era relativa aos vencimentos do
mês de agosto. Como em diversos portais não há a possibilidade de
consultar a folha de pagamentos de forma integral, foi necessário,
nesses casos, fazer a coleta individual dos dados sobre cada magistrado.
Para evitar distorções, foram retirados da base de cálculo, sempre que
possível, os adicionais a que todos os servidores públicos têm direito:
férias, 13º salário e o chamado “abono permanência”, valor pago aos
funcionários que já teriam direito a se aposentar e permanecem na ativa.
São, inclusive, os únicos benefícios adicionais pagos aos ministros do
STF.
Todos os tribunais foram procurados há cerca de duas semanas para que
informassem detalhadamente os gastos com esses três itens. No entanto,
15 tribunais de Justiça estaduais se negaram a fornecer essas
informações individualizadas.
Há na base de cálculo de todas as cortes alguns benefícios eventuais,
pagos a magistrados em um mês específico, mas que não significam que
estarão permanentemente atrelados a seus vencimentos. É o caso, por
exemplo, de licença-prêmio, ajuda de custo para quem mudar de cidade e
pagamentos adicionais por substituição de outros magistrados e
convocações.
No entanto, esse tipo de benefício foi contabilizado, pois muitas delas
são vantagens que não se aplicam ao funcionalismo em geral. Além disso,
esses pagamentos são práticas dos tribunais mês após mês, ainda que se
alternem os beneficiários.
POLÊMICA NO PARANÁ
O debate sobre a remuneração de magistrados no Paraná levou
profissionais da “Gazeta do Povo” a uma verdadeira peregrinação por
fóruns no primeiro semestre deste ano. Após publicarem reportagens sobre
o tema, a equipe foi alvo de 48 processos e teve de participar, em três
meses, de 25 audiências. O périplo só foi encerrado quando a ministra
Rosa Weber reconsiderou uma decisão anterior e concedeu uma liminar
suspendendo todos os processos até que o Supremo Tribunal Federal (STF)
analisasse o caso.
Os magistrados paranaenses desejavam receber indenizações por terem tido
seus nomes citados no material, que apontava a existência de pagamentos
acima do teto.
extraídadeavarandablogspot
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