ANA CARLA FONSECA ESTADÃO
Mas foi a partir de meados da década de 1990 que ela se firmou (ou voltou a se firmar) como o ativo mais diferencial da economia. Sua grande aliada nesse processo foram as tecnologias digitais.
Basta relembrar o que era o mundo há 20 ou 30 anos - sem wifi, redes sociais, aplicativos ou internet das coisas - para perceber o abalo sísmico que as tecnologias digitais provocaram nas relações sociais, na globalização, na competitividade e, por decorrência, na valorização da criatividade.
Afinal, em um mundo cada vez mais interconectado, as informações e a tecnologia circulam com velocidade inaudita em escala planetária e os produtos e serviços passam a ser cada vez mais semelhantes.
Se tudo é tão parecido, o antídoto a concorrer por preços baixos é gerar diferencial agregando valor - e, para isso, só com criatividade. É essa a base da economia criativa, termo que entrou na moda mas é na verdade um novo paradigma econômico.
O primeiro país que entendeu seu potencial como estratégia de desenvolvimento, ainda nos idos de 1997, foi o Reino Unido. Um primeiro exercício de mapeamento indicou que havia um conjunto de setores - da moda ao software, do editorial ao design - que cresciam mais rapidamente do que os demais, eram mais atraentes a jovens e tinham maior valor agregado. Batizados de “indústrias criativas”, são setores cuja matéria-prima é a criatividade. Códigos e livros há muitos, mas a cada vez que se escreve uma linha de um deles, há algo de único nesse novo formato de criação.
Uma das grandes belezas das indústrias criativas é a capacidade de dinamizar setores tradicionais da economia, como em um salutar efeito dominó.
É o caso do impacto potencial de novas propostas da moda no setor têxtil, da arquitetura na construção civil, do design em virtualmente toda a economia. É isso que constitui a economia criativa - atividades econômicas que geram produtos e serviços com diferencial. Mas se antes era vista como uma oportunidade, a economia criativa agora é uma necessidade.
A vasta maioria dos estudos voltados ao futuro do trabalho - assinados pelo Fórum Econômico Mundial e pela Economist Intelligence Unit, para nos atermos a alguns - constatam o que a prática já indica. Em um futuro cada vez mais próximo, a automação industrial poupará somente os trabalhos criativos (ou seja, não repetitivos) e os de inteligência social (baseados nas relações humanas). Os demais - inclusive os cargos executivos - deverão ser substituídos pela inteligência artificial. Constatam mais: hoje, muito se investe em tecnologia e menos em pessoas - mas quem criará as futuras tecnologias?
Diante desse quadro, reinventar a educação, investir em empreendedorismo, estimular a diversidade de pensamento, facilitar o ambiente de negócios e dar vazão a novos modelos de economia, como a compartilhada - passou a ser vital. Cidades, empresas e fundos passaram a investir em startups, aceleradoras, incubadoras, em escala inédita. A cidade de Paris, por exemplo, inaugurará em janeiro a Estação F, acolhendo mil startups.
As cidades mais avançadas nesse pensamento perceberam que, hoje em dia, não basta investir em parques tecnológicos padronizados com mesas de pebolim e espaços de cowork, ou abrigar essa efervescência criativa em uma bolha urbana.
Cidades que adotaram a economia criativa como estratégia vêm reconhecendo a importância de investir em um locus urbano que nutra, estimule e atice essa efervescência criativa, não apenas para somar novos ingredientes às receitas que cada trabalhador criativo pode inventar, mas também porque é nesses locais que quem respira e transpira criatividade quer estar.
Basta pensar em Barcelona, Londres, Berlim, Nova York - todas elas cidades sinestésicas, onde propostas arrojadas encontram oxigênio e nas quais a possibilidade de se encantar e inspirar no trabalho e fora dele é dada como certa. Porque a fronteira entre a vida e o trabalho é cada vez mais fluida e não há como ser criativo vivendo apenas em um ambiente apático.
Incorporar a economia criativa como base de desenvolvimento é fundamental para que saiamos da recessão em um patamar mais elevado, seja qual for a esfera de governo. Mas é no âmbito das cidades que estão as maiores chances de reinvenção, valendo-se da preciosa simbiose entre economia criativa e cidade criativa. É nisso que nossos futuros gestores municipais devem atentar - e nós, ao votarmos neles.
*ANA CARLA FONSECA É CO-COORDENADORA DO PEC/FGV DE ECONOMIA CRIATIVA E CIDADES E PROFESSORA DO MBA DE BENS CULTURAIS. TAMBÉM DIRETORA DA GARIMPO DE SOLUÇÕES
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