por Clóvis Rossi FOLHA DE SÃO PAULO
De duas, uma: ou a presidente Dilma Rousseff é muito distraída ou mentiu na entrevista dada na semana passada à Folha, Globo e Estadão.
Nela, afirmou: "A crise começa em agosto, mas só vai ficar grave, grave mesmo, entre novembro e dezembro [de 2014]".
Não, presidente, a crise já estava grave, muito grave, antes disso: a
economia brasileira retrocedeu nos dois primeiros trimestres de 2014, o
que, tecnicamente, significa recessão.
Portanto, em agosto (o mês em que os dados do segundo trimestre foram
dados a público), a situação já era "grave mesmo". Ou recessão não é
grave, presidente?
Pior: o investimento vinha caindo desde o terceiro trimestre de 2013 e
continuou caindo em todos os trimestres sucessivos até agora.
Ora, qualquer criança escolarizada sabe que queda do investimento, ainda
mais em série, é sinal de crise grave, porque o crescimento à frente
fica anêmico ou desaparece (como de fato desapareceu).
Tem mais: o site "Aos Fatos" justificou o nome e montou uma tabelinha
sobre a arrecadação federal que mostra que, antes de agosto, a economia
já estava estrebuchando: em julho/14, a arrecadação foi 0,23% inferior à
de julho/13.
Foi o terceiro mês consecutivo em que a arrecadação aumentou muito menos
do que nos mesmos períodos de 2013 ou até retrocedeu, como em julho.
Arrecadação crescendo pouco ou nada é óbvio sinal de problemas para as contas públicas.
Problemas para a economia vinham de mais longe ainda, conforme se lê na
Carta de Conjuntura do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)
de dezembro de 2013, igualmente recuperada pelo "Aos Fatos".
O texto do Ipea dizia que "a perda de dinamismo da região [América do
Sul] se deve basicamente a três fatores: a deterioração dos termos de
troca; o menor crescimento da economia mundial, especialmente com a
recessão na Europa e a desaceleração chinesa; e o esgotamento do impacto
das medidas anticíclicas adotadas em toda a região em reação à crise
financeira de 2008-2009.
Aparentemente, os países do Mercado Comum do Sul (Mercosul) –em
especial, a Argentina, o Brasil e o Paraguai– foram mais rapidamente
afetados, de forma que o crescimento do PIB se desacelerou fortemente já
em 2012".
De fato, a economia brasileira cresceu, em 2012, apenas 1% na comparação com o ano anterior.
Uma gerente atenta teria acendido o sinal vermelho ante dados (oficiais) desse teor.
No entanto, a gerente Dilma só viu algo um pouco preocupante no mês
seguinte, agosto, mas esperou até novembro e dezembro para constatar
algo "grave, grave mesmo".
Agora, a presidente diz que, "talvez", a inflexão da política econômica devesse ter começado antes.
Deveria, claro, mas havia no horizonte um obstáculo intransponível, a eleição de outubro.
Você conhece algum governante, fora Winston Churchill, que se anime a pedir "sangue, suor e lágrimas"?
Se, ocultando a verdade, Dilma venceu por pouco, imagine o que
aconteceria se não a ocultasse. Ela ganhou o governo, mas arruinou a
governabilidade.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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