, por Vitor Hugo Soares Com Blog do Noblat - O Globo
"Meu mestre e amigo Mário de Andrade tem razão: Pior do que uma baioneta
calada é uma baioneta falante", (Da coletânea das 100 melhores frases
de Ulysses Guimarães, selecionadas por dona Mora Guimarães.
Publicada em "Rompendo o Cerco”, livro editado pouco antes do desastre
de helicóptero, no qual Ulysses desapareceu e jamais foi encontrado no
fundo do mar.)
A frase antológica do doutor Ulysses vem do período das batalhas
políticas e sociais contra o regime militar (apoiado desde o começo, em
1964, por poderosos grupos civis no parlamento, no judiciário e na
chamada grande imprensa). Ressurgiu na memória esta semana, durante a
justificação dos votos na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal,
que fatiou o processo de investigação e julgamento na Operação Lava
Jato, conduzido desde Curitiba, pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara
Federal do Paraná.
A sentença produziu fato jornalístico relevante no Brasil, com
repercussão internacional. Seguramente, afirmo - pela experiência
acumulada em décadas de redação em tempos de crises brabas ou de maré
mansa e céu de brigadeiro na política e na economia - com apelo
suficiente para ficar assinalado como um dos momentos mais estranhos,
nebulosos e suspeitos da historia da corte suprema do País em décadas.
Ou séculos, talvez, mesmo incluindo o tempo cavernoso da baioneta
calada.
Para o jornalista, tudo se deu de repente, não mais que de repente. Ao
simples clicar do controle remoto, que liga o aparelho de TV sintonizado
no canal aberto da TV Justiça, no começo da tarde de quarta-feira, 23.
No ar, em transmissão aberta para todas as regiões do território
nacional, a sessão presidida em parte pelo visivelmente pressuroso
ministro Ricardo Lewandowski (alegou outro compromisso no mesmo horário
da crucial decisão), e encerrada, mais às carreiras ainda, pela ministra
Carmen Lúcia.
“Honi-soit qui mal y pense” (amaldiçoado seja aquele que pensar mal dessas coisas), diriam os irônicos franceses.
O fato é que o STF, por maioria de votos dos membros da sua atual
formação (com jeito e sotaque adquiridos nos 13 anos de mando federal
dos governos petistas (de Luís Inácio Lula da Silva a Dilma Roussef ),
decidiu pelo fatiamento (ou mutilação se preferirem) da maior
investigação de corrupção não só da história do Brasil, mas em escala
mundial atualmente.
Isso permite que parte dos inquéritos da Lava Jato seja retirado das
mãos do juiz paranaense, atualmente saudado com júbilo e aclamado em
todo lugar por onde passa ou fala. O episódio é de amplo conhecimento
público, mas vale repetir aqui, para contextualizar um caso no qual as
razões de fundo seguem nebulosas: Foi uma repentina decisão (que ocupou
todo o tempo da plenária), a partir do caso ligado à senadora Gleisi
Hoffmann, do PT do Paraná, ex-ministra do peito da presidente Dilma em
seu primeiro mandato. Estrela petista no Senado.
A votação representa, de saída, uma derrota para os procuradores (a
começar pelo Procurador-Geral, Rodrigo Janot) e para Moro, defensores da
tese de que os crimes investigados em Curitiba são costela de um mesmo
esqueleto, de um esquema que se ramifica em diversas frentes e órgãos do
poder público, em conluio mal escondido ou escancarado com poderosas
empresas (e seus donos) no setor privado.
O resultado da sessão de quarta-feira no STF, no entanto, foi saudada e
vivamente comemorada (ainda nas dependências da Suprema Corte), pelos
advogados dos acusados (vários deles já presos), que desde o começo da
Lava Jato agridem o juiz Sérgio Moro e o acusam "por supostamente agir
em sintonia com a Polícia Federal e o Mininistério Público e conduzir o
processo com mão de ferro”, como registrou o jornal espanhol El Pais, em
reportagem sobre a sessão do Supremo.
À frente dos festejos ruidosos, o notório Kakay, advogado de defesa de
vários endinheirados acusados de atividades corruptas, corruptoras e
criminosas no Petrolão (assim como antes, no Mensalão, diga-se).
Voz praticamente solitária na sessão, o polêmico e explosivo ministro
Gilmar Mendes foi direto ao ponto (ao emitir seu voto e em aparte
contundente ao ministro Celso de Mello). Usou mira de precisão em seus
disparos verbais: "No fundo, o que se espera (e corre na boca e na
mente da sociedade no Brasil e no exterior) é que os processos saiam de
Curitiba, e não tenham a devida sequência em outros lugares. É bom que
se diga, em português claro!”, arrematou Mendes.
E cai o pano, lentamente, sobre o palco do Supremo Tribunal Federal.
Em Salvador, a Cidade da Bahia, no dizer de Gregório de Matos e Jorge
Amado, fui praticamente conduzido para dentro do insólito cenário da
sessão em Brasília, através das imagens e do áudio da TV Justiça. O
inesperado que, jornalisticamente falando, em geral escancara armações
até então submersas nos desvãos das tramoias dos bastidores e dos
intestinos de um governo, de uma nação e da sua justiça.
Quando o pano cai e os protagonistas deixam o palco, fica a amarga
sensação de que muita coisa foi dita, ou simplesmente sugerida (os
significativos diálogos e ares nas trocas de afagos e salamaleques entre
os ministros Toffoli e Lewandowaki, por exemplo), mas faltou ainda
muito por dizer e ser esclarecido. Esperemos então as próximas
representações judiciais deste drama nacional. Ou, quem sabe, o
despertar definitivo da imprensa para o desafio de cavar mais fundo na
investigação de fatos e informações cruciais desta trama de interesses e
cumplicidades mal disfarçadas. O tempo, senhor da razão, dirá.
A conferir.
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