Se o uso do termo "coxinha" nada diz, se serve somente para tentar desqualificar aqueles que condenam o PT, a expressão "esquerda caviar", por outro lado, faz tudo sentido e toca numa ferida, expõe uma gritante hipocrisia de boa parte da esquerda.
Por: Rodrigo Constantino
Rótulos e estereótipos servem para
simplificar o mundo, para que possamos encaixar em alguns conceitos toda
uma gama de crenças, ideias e posturas. Claro que, por definição, tais
rótulos serão simplistas, incapazes de abranger toda a complexidade do
ser humano. Isso não quer dizer, contudo, que sejam inúteis ou sempre
inadequados. Ao contrário: eles exercem importante função em nossas
vidas, pois nos permitem ter uma ideia melhor das coisas sem precisar
dedicar um tempo infinito a cada detalhe de cada um.
Capitalista e socialista, portanto,
servem para mostrar se uma pessoa defende a liberdade econômica, a
propriedade privada e o império da lei, ou se ela quer concentrar no
estado o controle da economia, quer igualdade de resultados em vez de
liberdade e prefere a “justiça social” ambígua em vez da mesma regra
valer para todos. Dentro de cada rótulo há inúmeras nuanças, sem dúvida,
mas como discordar de que separar os dois grandes grupos facilita e
ajuda muito nos debates e compreensão?
O mesmo para esquerda e direita, para
coletivista e individualista etc. Pegar um extremo caricato desse rótulo
e transformá-lo num estereótipo, como se todo esquerdista fosse, por
exemplo, um comuna de faculdade com camisa do Che Guevara que adora
Cuba, isso seria absurdo, sem dúvida. É o que, infelizmente, algumas
pessoas fazem, impedindo um debate honesto. Todo anticomunista vira,
assim, um “fascista”, e por aí vai. Aliás, boa parte da esquerda mais
radical adora essa estratégia.
Mas há, ainda, outra tática comum, que é
bancar o “neutro”, o “imparcial”, e condenar todos os rótulos e
estereótipos, jogando tudo na vala comum. Ayn Rand percebeu essa tática
da esquerda há anos: condena tanto o comunismo como o fascismo e o
capitalismo. Reparem que coisa: jogou no mesmo saco podre duas
ideologias totalitárias, assassinas, ao lado do capitalismo, que retirou
milhões da miséria e preservou a liberdade individual. É como alguém
condenar a peste bubônica, o câncer e a sogra. Pobre sogra, sabe que é o
único alvo verdadeiro do ataque…
O sociólogo Antonio Engelke, que já foi citado nesse blog por conta de um artigo em que condenava o “dogma” da austeridade, publicou hoje um texto
no GLOBO atacando tanto o termo “coxinha” como a expressão “esquerda
caviar”. Seu argumento foi justamente o de que são estereótipos que não
capturam a complexidade do mundo. Mas faz sentido jogar no mesmo saco
ambos? Ou será que, com essa tática, ele quer no fundo criticar quem
aponta todas as incoerências, contradições e hipocrisias de uma esquerda
“defensora” do socialismo que ama o capitalismo?
Não creio que o sociólogo tenha lido de fato meu livro Esquerda Caviar.
Se tivesse lido, saberia que, na primeira parte, dediquei nada menos do
que vinte possíveis explicações para a origem do fenômeno. Ou seja, sei
perfeitamente que se trata de algo complexo, que vários caminhos podem
levar as pessoas a essa situação de paradoxo. Mas está bem claro que
tipo de esquerdista está sendo exposto com o uso da expressão. Engelke
cita os “liberais” americanos, do Partido Democrata, ou a “ala mais
sóbria” do PSDB, mas esses são vistos como “direita neoliberal” pela
esquerda caviar brasileira.
É engraçado que o sociólogo cita
Francisco Bosco para fazer seu ponto, como se essa ala da esquerda
quisesse apenas reformar o capitalismo e combater suas desigualdades.
Bosco defende os black blocs, o PSOL, o socialismo! Ou seja, para
condenar quem faz uso da expressão “esquerda caviar”, o sociólogo acaba
dando razão a essas pessoas. Essa turma não quer reformar o capitalismo,
mas acabar com ele. Condena o lucro, a ganância, o livre mercado, e se
beneficia de tudo que só o capitalismo pode oferecer. Se isso não é
hipocrisia, não sei o que é!
No mais, resta o velho e manjado
monopólio da virtude, outra marca registrada da esquerda. Alguns ícones
da esquerda caviar alegam que não desejam punir os ricos, e sim que
todos sejam ricos, possam ter os mesmos bens materiais. Ora, e clamam
por medidas socialistas, estatizantes? Mas na prática elas aumentam a
miséria e até mesmo as desigualdades! Detalhes. O que importa é bancar o
abnegado de forma populista e demagógica. “Sou pelos mais pobres”, diz o
sujeito. E como, exatamente? “Defendendo taxação sobre fortunas,
imposto de renda de 80% e sempre mais estado”, responde. Assim complica…
Se o uso do termo “coxinha” nada diz, se
serve somente para tentar desqualificar aqueles que condenam o PT, a
expressão “esquerda caviar”, por outro lado, faz tudo sentido e toca
numa ferida, expõe uma gritante hipocrisia de boa parte da esquerda.
Como defender Cuba e viver em Paris? Como elogiar a Venezuela e gozar de
liberdade de expressão? Como cuspir na ganância e só pensar em acumular
mais fortuna?
É por ter mexido nesse vespeiro que vemos
essa reação da esquerda caviar. Ela tenta desqualificar de toda forma
aqueles que finalmente acordaram para todo um discurso hipócrita,
inconsistente, de quem deseja apenas bancar o altruísta igualitário,
enquanto vive como um nababo. Jogar a expressão “esquerda caviar” no
lixo ao lado de “coxinha”, termo idiota que não diz absolutamente nada
de relevante, é uma tática antiga da esquerda. Vamos condenar o
assassino, o estuprador e, sim, o banqueiro. Ficará claro qual é o
verdadeiro alvo, não é mesmo?
Rodrigo ConstantinoEXTRAÍDADOBLOGDERODRIGOCONSTANTINOVEJA
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