por Demétrio Magnoli Folha de São Paulo
Na madrugada, os oportunistas votaram. Dos 51 deputados federais do PSDB
que participaram da sessão coruja da Câmara de quarta-feira consagrada à
análise do veto presidencial à flexibilização do fator previdenciário,
apenas um conservou-se fiel à regra instituída por FHC. Samuel Moreira
(SP), o deputado coerente, explicou-se apelando ao óbvio: "Criar mais
despesas para a Previdência não é prudente no momento em que o país está
vivendo, com os cofres públicos dilapidados". Sob o encanto do
impeachment, todos os demais revelam-se dispostos a queimar o navio para
limpar um de seus porões. O principal partido de oposição, que não
tinha rumo nos tempos áureos do lulopetismo, segue sem bússola na hora
da mudança.
Meses atrás, José Serra disse que "impeachment não é programa de
governo". O alerta não foi ouvido por um setor crucial do partido que
abrange Aécio Neves e a bancada tucana na Câmara. Seduzidos pelo canto
das ruas, os cavaleiros do impeachment reduziram a política à sua menor
dimensão, substituindo o imperativo de derrotar uma narrativa sobre o
Estado e a sociedade pela meta exclusiva de derrubar a presidente. No
caminho, enfiados em armaduras medievais, atrelaram o PSDB ao jogo de
conveniências do PMDB de Michel Temer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha.
De fato, em nome de um objetivo que depende de outros, renunciaram a
fazer o que está a seu alcance.
O fator previdenciário não se confunde com o ajuste fiscal de Dilma
Rousseff, essa desastrada tentativa de cobrir o rombo orçamentário pela
via da tributação aleatória. Uma coisa é votar contra os remédios
falsificados que se fabricam pela improvisação no laboratório recessivo
de Joaquim Levy. Outra, bem diferente, é retroceder à época da
irresponsabilidade fiscal crônica anterior ao Plano Real. Na madrugada
do oportunismo, os deputados tucanos desperdiçaram a oportunidade de
desmascarar a narrativa lulopetista, revezando-se ao microfone para
explicar que o veto presidencial é a homenagem prestada compulsoriamente
pelo vício à virtude. Mas, no lugar de confrontar o FHC do fator
previdenciário à Dilma do colapso fiscal, escolheram perder duas vezes,
nas esferas do voto e dos princípios.
Os cavaleiros do impeachment não passam de moleques brincando de Idade Média.
Certo ou errado, justo ou inevitável, o impeachment situa-se fora do
território controlado pelos tucanos. O impedimento presidencial depende
de decisões prévias de instituições de Estado (TCU, TSE, STF) e, em
seguida, de uma maioria qualificada no Congresso que só se formará pela
ruptura do PMBD com o governo. Os cavaleiros do impeachment não têm
poder para obter uma coisa nem a outra. Mas se desqualificam perante a
opinião pública ao cortejar inutilmente os caciques peemedebistas
envolvidos nos escândalos de corrupção.
A obsessão dos cavaleiros do impeachment envia a mensagem errada à
sociedade brasileira. No fundo, eles estão dizendo que o problema
chama-se Dilma, quando a presidente é apenas a manifestação terminal de
um sonho retrógrado chamado lulopetismo. Dilma passará, cedo ou tarde,
recolhendo-se ao lugar apropriado:
uma nota de pé de página no livro da história, destinada a ilustrar a
simbiose teratológica do anacronismo ideológico com a incompetência e a
arrogância. O lulopetismo, porém, tem raízes profundas, fincadas no solo
do patrimonialismo, do corporativismo e de um neonacionalismo de
araque, salpicado do autoritarismo típico da esquerda latino-americana.
Os cavaleiros do impeachment desviam-se do alvo certo, enquanto exibem
às ruas suas espadas reluzentes.
"Programa de governo", disse Serra, em meio ao alvoroço da molecada. Na
crise do lulopetismo, os tucanos têm a chance de desenhar na lousa vazia
algumas ideias básicas sobre o futuro. Mas, pelo visto, seu futuro é
mesmo uma lousa vazia. Viva Samuel Moreira!
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