editorial da Folha de São Paulo
Em menos de duas semanas, Judiciário e Legislativo chegaram a decisões
conflitantes sobre um tema crucial para o funcionamento da democracia
brasileira.
Depois de aprovar, desaprovar, refazer a votação e corrigir-se ainda uma
vez, o Congresso encerrou o pingue-pongue que opunha Câmara e Senado na
questão do financiamento das campanhas eleitorais.
O resultado final, que ainda será submetido à sanção presidencial, foi
um retrocesso no precário sistema já existente. A valer a vontade da
maioria dos deputados federais, torna-se oficial o método das doações
ocultas, pelo qual as empresas podem doar recursos diretamente aos
partidos políticos, mas não aos próprios candidatos.
O dinheiro, naturalmente, seria transferido das contas da agremiação
para as do postulante; determina-se, contudo, que não seja possível
rastrear a origem da verba.
Perde-se, com isso, em transparência. Um parlamentar que receba
financiamento expressivo de um setor empresarial, ou mesmo de uma só
corporação, terá seus vínculos de interesse escamoteados do conhecimento
público.
Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal alcançou finalmente o desfecho
de um julgamento que se arrastava por um ano e meio. Por 8 votos a 3, a
corte considerou inconstitucional a contribuição financeira de empresas
nas eleições.
Princípios gerais da Constituição –como ser o poder originário do povo,
ou que não deve haver desigualdade de condições entre os candidatos–
foram invocados.
Em voto a que se misturaram veementes ataques ao PT e desabafos
pessoais, o ministro Gilmar Mendes não deixou de apontar os exageros de
tal interpretação.
Terão sido inconstitucionais as eleições já realizadas com financiamento
de empresas? Não, apressou-se em responder o presidente do Supremo,
Ricardo Lewandowski, recorrendo mais ao bom senso do que ao rigor
lógico.
Não fica aberto o caminho para o puro financiamento público de
campanhas, com o grave desequilíbrio advindo dos que, estando no poder,
podem desviar e desviam recursos das estatais?
Entidades não governamentais, sindicatos, igrejas não são capazes de
interferir e participar de eleições, sem que pertençam necessariamente
ao "povo"? E pessoas físicas, se ainda podem doar, não exercerão
influência econômica?
Máxima transparência, limites objetivos para o total dos gastos e
critérios mais estritos para as empresas autorizadas a doar seriam os
mecanismos mais adequados para regular uma democracia que, ao mesmo
tempo, necessita de recursos financeiros e convive com a corrupção
institucionalizada.
Por diferentes razões, nem Congresso nem Judiciário se aproximaram de uma fórmula que pudesse alcançar esse objetivo.
extraídaderota2014blogspot
0 comments:
Postar um comentário