por Ruy Fabiano Com Blog do Noblat - O Globo
Mário de Andrade, se vivo fosse, haveria de identificar no PMDB as
qualidades (ou a ausência delas) que reuniu em seu personagem Macunaíma,
o “herói sem nenhum caráter” – e que alguns enxergam como o arquétipo
do próprio brasileiro.
Não é justo. Mais adequado é vê-lo como o arquétipo do político
brasileiro. Senão vejamos. O país está economicamente arruinado, a
presidente não consegue governar e a sociedade clama por mudanças cuja
premissa é a saída do poder do partido hegemônico, o PT, que demonstrou
não ter remédio contra a crise, posto que ele próprio é a crise, já que a
produziu.
A população vai às ruas, aos milhões, em manifestações sucessivas,
pedindo o impeachment. Treze propostas nesse sentido vão ao Congresso,
enquanto, em Curitiba, o juiz Sérgio Moro e um grupo de procuradores
expõem as vísceras de um esquema que o ministro Celso de Melo, do STF,
chamou de “macrodelinquência governamental”. E o que faz o Congresso?
Depois de alguns meses de absoluta indiferença – período em que todos os
índices econômicos pioraram, até o país perder o grau de investimento
-, decide dar uma espiada de leve nos movimentos de rua e examinar a
viabilidade do impeachment.
O PMDB resume a ambiguidade. Está nas mãos do presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, a decisão de encaminhar o pedido de impeachment. Faltava
uma assinatura graduada - e apareceram duas: as dos juristas Hélio
Bicudo, fundador arrependido do PT, e de Miguel Reale Junior,
ex-ministro de FHC.
Eis então que Cunha promete se debruçar sobre cada pedido, mesmo sabendo
que o de Bicudo e Reale fala por todos, e promete lá para o final de
outubro uma avaliação.
Quem anteontem assistiu ao programa do PMDB na televisão supõe que o
partido já rompeu com o governo. Falou-se o tempo todo em mudança, em
novos tempos, com ênfase na conjuntura crítica, sobretudo na economia,
que reclama projeto, que não há. E o partido repetiu isso várias vezes.
Não obstante, paralela e simultaneamente, seus caciques, que fazem parte
do governo desde o início da Era PT, negociam com a presidente uma
maior fatia no bolo ministerial. A crise não é um desafio, mas oportuna
moeda de troca.
Lula esteve com Cunha e pediu-lhe que segurasse os pedidos de
impeachment. Não se sabe a contrapartida que lhe ofereceu, mas não é
difícil deduzir, tendo em vista o que disse a Dilma: “É melhor perder
ministérios que a presidência da República”. Esse é o projeto contra a
crise, que passa ao largo do clamor das ruas.
Enquanto isso, governadores oposicionistas reuniram-se em São Paulo e,
em síntese, disseram que é preciso repensar o impeachment, que a
impopularidade da presidente não o justifica. FHC chegou a dizer, à
Folha de S. Paulo, que “ainda falta uma narrativa convincente para
desencadear o impeachment”.
Ora, nada menos que cinco delatores da Lava Jato já disseram, com todas
as letras, que Dilma Rousseff foi eleita com dinheiro roubado da
Petrobras: Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco, Ricardo Pessoa, Fernando
Baiano e Nestor Cerveró.
O ministro Gilmar Mendes, do STF, não hesita em afirmar que “nós estamos
nesse caos por conta desse método de governança corrupta, um modelo
cleptocrata”. Referia-se ao PT e ao governo Dilma, resumindo o que o
juiz Sérgio Moro e o Ministério Público têm mostrado ao país, há meses.
Há ainda as pedaladas fiscais, que configuram crime contra a Lei de
Responsabilidade Fiscal e respondem pela bagunça nas contas públicas,
que findaram pelo envio ao Congresso de um orçamento deficitário, cujas
consequências imediatas foram a perda do grau de investimento, a alta
desenfreada do dólar e o aumento do desemprego, com todo o seu cortejo
de danos sociais.
Mas FHC acha o enredo “insuficiente” para o impeachment e seus
correligionários estão divididos. O PMDB, partido de profissionais,
gente pragmática, opta pela ambiguidade, que, desde a redemocratização,
tem sido sua característica.
O STF, por sua vez, decide enfraquecer as investigações, fatiando os
processos da Lava Jato, que, mesmo conexos, serão agora examinados
separadamente, para gáudio dos denunciados.
Macunaíma, aboletado nos três Poderes, não entende – e por isso teme e
rejeita - gente como Sérgio Moro. Machado de Assis dizia haver dois
brasis, sendo o real bom e promissor, e o oficial, burlesco, assemelhado
a Lilipute, o país dos anões, das “Viagens de Gulliver”. É possível
mudá-lo? “Ai, que preguiça!”, diria Macunaíma, num vasto bocejo.
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