editorial do Estadão
Em que pese a primeira impressão de que a decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) de descentralizar as investigações e o julgamento do
escândalo da Petrobrás pode dificultar o combate à corrupção no País,
ela é perfeitamente legítima, tecnicamente defensável e foi aprovada por
ampla maioria de 8 votos contra 2 dos 10 ministros presentes à sessão
plenária de quarta-feira. Instado a se manifestar sobre a decisão, o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, respondeu com uma
consagrada expressão jurídica: “Roma locuta, causa finita”, cujo sentido
pode ser adaptado para “O STF falou, caso encerrado”. É assim, e só
assim, com respeito às instituições, que funciona a democracia. Cultivar
falsos “heróis do povo brasileiro” é próprio de quem acredita que a
democracia só existe quando está a seu serviço.
A decisão do STF foi suscitada pelo caso do suposto envolvimento da
senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) em fraude no Ministério do
Planejamento, que foi levantado no âmbito da jurisdição, em primeira
instância, do juiz Sérgio Moro, que remeteu o caso a Brasília por se
tratar de investigada com direito a foro privilegiado. O processo foi
parar nas mãos do ministro Teori Zavascki, responsável pelos casos da
Operação Lava Jato na instância superior máxima, que levantou a tese de
que só deveria se manifestar em ações diretamente relacionadas com a
corrupção na Petrobrás, objeto original da operação que, em primeira
instância, está sob a responsabilidade da 13.ª Vara Criminal da Justiça
Federal, em Curitiba, cujo titular é o juiz Sérgio Moro. O escândalo da
Petrobrás está sendo investigado a partir de Curitiba e ali julgado em
primeira instância porque foi na capital paranaense que as investigações
policiais tiveram origem, tendo como alvo o doleiro Alberto Youssef.
Pelo rigor jurídico com que se tem comportado, que já resultou na
condenação de vários empresários, funcionários da Petrobrás e operadores
do propinoduto, o juiz Sergio Moro conquistou, muito mais do que a
atenção, o respeito e a admiração dos brasileiros indignados com a
decadência dos valores morais no governo e na política, agravada pela
obstinação do PT de recorrer a qualquer expediente para garantir sua
eternização no poder.
A decisão do STF significa que Sergio Moro continuará à frente apenas
dos casos estritamente relacionados com a corrupção na Petrobrás. E isso
contraria a opinião reiterada no STF pelo procurador-geral Rodrigo
Janot, segundo a qual o que está sendo investigado a partir de Curitiba
não é, apenas, o propinoduto na estatal, mas um esquema de corrupção
amplo e orgânico impregnado na administração pública federal, direta e
indireta.
Levada à sua extremidade lógica, a opinião do MPF, de que casos de
corrupção com algum nível de conexão só podem ser investigados e
julgados pela mesma equipe que puxou o fio da meada, poderia ser
formalmente alterado o objetivo original da Lava Jato, que passaria a
ser, simplesmente, a corrupção no governo federal. E daí, pelo porte
mastodôntico que a questão assumiria, certamente decorreriam
complicações de natureza técnico-jurídica capazes de comprometer
gravemente – a ponto de gerar pedidos de nulidade – a eficácia de um
trabalho investigativo de que o País se orgulha.
Por outro lado, como destacou o ministro Dias Toffoli, tanto o MPF
quanto a Polícia Federal (PF) são os mesmos em todo o País, e a 13.ª
Vara Criminal não é o único Juízo habilitado a julgar casos de
corrupção. Não há, de fato, razão para crer que apenas Moro e as equipes
de procuradores da República e policiais federais que trabalham sob sua
supervisão sejam idôneos e aptos a levar até o fim a missão de
desmontar o maior esquema de corrupção já descoberto no governo federal.
É de se reconhecer, por outro lado, que a força-tarefa que trabalha em
Curitiba adquiriu conhecimento ímpar sobre a rede de corrupção montada
por políticos, empresários e funcionários estatais. E tal conhecimento,
para o bem geral, não pode ser menosprezado.
Devem, portanto, os brasileiros, mais atentos e vigilantes do que nunca,
confiar desconfiando, para evitar que se cumpra o vaticínio sombrio do
ministro Gilmar Mendes, voto vencido na plenária de quarta-feira: “O que
se espera é que os processos saiam de Curitiba e não tenham a devida
sequência em outros lugares”. Nesse caso, estariam em jogo, antes de
tudo, a honra e a dignidade de membros da PF, do Ministério Público e da
Justiça Federal.
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