por Sandro Vaia O Globo
Que o Brasil não é um país para principiantes já sabíamos há séculos.
Severos cientistas sociais de óculos de lentes grossas poderiam dizer,
em mesas redondas da TV, que estamos vivendo um estado de “anomia” - um
país sem rumo, sem bússola, sem projeto.
Alguém que tivesse a alma mais leve de um artista, por exemplo, poderia
citar o Manifesto Surrealista de André Breton, no trecho em que ele
defende que qualquer controle exercido pela razão seja suspenso, de
forma a dar vida à nova arte “alheia a qualquer preocupação estética ou
moral”.
Como estamos na terra de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, seria
mais apropriado mesmo dizer que isso aqui está “uma bagunça”. É mais
fácil de digerir, mais fácil para fazer-se entender, mais adequado ao
linguajar popular.
Já não sabemos mais se o governo existe para cumprir a tarefa básica de
governar - ou seja, de dirigir os chamados destinos da Nação, através de
decisões políticas e econômicas que imprimam um rumo à navegação comum -
ou se existe apenas com a finalidade de evitar que deixe de existir de
um momento para o outro.
Viver para simplesmente não parar de respirar não é um objetivo muito
engrandecedor para nenhum governo, convenhamos. Sobreviver até o fim do
mandato deixou de ser um meio para executar um programa e passou a ser
um programa de governo em si mesmo.
Alguém que levanta e lê jornal (partindo do pressuposto de que já não
soubesse tudo desde a noite anterior, pela TV ou pela internet) tem mais
motivos para debater-se contra a escuridão do que encontrar, digamos,
um sendeiro luminoso que ajude a entender o que está acontecendo.
O sujeito vai dormir pensando na hecatombe que será o Congresso
derrubando todos os vetos presidenciais sob o comando da brigada ligeira
do PMDB, inviabilizando as contas do pais pelos próximos séculos, e
acorda com a presidente tramando a entrega de quatro ou cinco
ministérios àquele mesmo partido que um dia antes não queria saber de
ministério nenhum mas que garantiu a manutenção da pilha de vetos.
A Eduardo Cunha, o ferrabrás da pautas- bomba, que ameaça demolir o
castelo das contas públicas deixando proliferar sobre a mesa a
cornucópia de benesses de todos os deputados clientelistas do Oiapoque
ao Chuí, coube a honra de uma conversa ao pé de ouvido. Protagonista: o
presidente excelso, honorário e eterno, Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula, informam os jornais virtuais e materiais, cochichou a Cunha um
pedido para empurrar com a barriga qualquer pedido de impeachment contra
Dilma, até que…bem, até qualquer dia que não esteja muito perto, para
não atrapalhar, afinal, as articulações do ajuste fiscal e da tal
reforma ministerial.
Lula é a favor mas é contra o ajuste fiscal, e enquanto tenta equilibrar
essa bola no nariz, como uma foca, articula um novo ministério para sua
criatura. O objetivo é transparente: ir ficando, enquanto der. Quanto
mais perto de 2018 chegarmos, melhor. E com quanto menos escoriações,
melhor também.
Ou seja: Cunha ë inimigo, mas pode ser parceiro também. Tanto que um compadre dele, um certo deputado da Paraíba, Manoel
Junior, que já aconselhou Dilma a renunciar, aparece como favorito para
o cargo de ministro da Saúde, aquela pasta que se não ajuda em nada a
saúde física do brasileiro, oferece luminosas atrações aos vampiros que
preferem o sangue à luz.
Bem, onde estávamos mesmo? Ah, ainda não temos ajuste, ainda não temos
reforma ministerial, ainda não sabemos se o PMDB assumiu ou não o
governo, um terço do governo, metade dele ou o governo inteiro, o dólar
sai em louca disparada, e a presidente….
…a presidente? Bem, ela foi a Nova York pedir uma reforma na ONU.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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