Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Pagando a dívida alheia

Lya Luft

De repente estamos todos endividados e inadimplentes — ao menos a maioria de nós brasileiros comuns, sem mansões, nem iates, nem casas em Miami. Estamos assim porque fomos conclamados, tempos atrás, a consumir. Lembram? Eu não esqueci, e não consumi porque estava mais alerta e menos confiante: “Comprem seu carro! Troquem a geladeira! Comprem TV plana! Não deixem de fazer nada disso; as elites brancas não querem que vocês tenham nada”.
E saíram os brasileiros confiantes e crédulos a consumir — como se consumo, e não investimento de parte do governo, fosse crescimento. Realmente tivemos por um breve período uma sensação nova de confiança e bem-estar. Disseram (e acreditamos) que a miséria tinha sido liquidada no país; e éramos todos da classe média: quem ganhava mais do que 350 reais era da classe média.
MODERNOS E POTENTES
Nós nos sentíamos modernos e potentes. Crédito abundante. Generosos prazos. Juros generosos também, mas isso não importava. E, agora, a surpresa: as dívidas. Passamos a endividados e inadimplentes porque obedecemos a quem nos conclamava a gastar, e possivelmente seremos desempregados porque essa ameaça se torna cotidiana.
O Estado que gastou mais do que podia e devia, com gestão equivocada, gastos faraônicos em empreendimentos luxuosos logo abandonados por falta de planejamento, agora nos convoca a pagar também suas dívidas — que não são nossas.
Há poucos dias fomos avisados: a caixa está vazia, o dinheiro do governo acabou, entrou no ralo da imprudência.
NÃO SABEM O QUE FAZER
Suspendem-se bolsas de estudo, investimentos em saúde e infraestrutura, e abre-se a dura realidade: projetos, comissões, estudos, palavrórios, mas não sabem o que fazer com o Brasil.
Para consertar o que parece inconsertável, corta-se na carne… sobretudo na nossa. Cortam-se benefícios como tempo de trabalho para ter seguro-desemprego, dificultam-se condições para obter aposentadoria, reduzem-se pensões, e aumenta a angústia do povo. Cresce a inflação, sobe o desemprego, combinação fatal. Operários, funcionários, empregados domésticos, gerentes de lojas e de empresas, de repente às voltas com falta de trabalho e excesso de dívidas.
O Estado então pede nossa paciência e compreensão. Mas os brasileiros, sem a mínima segurança, morrendo mais do que em guerras, por toda parte sem escola, nem posto de saúde, nem condições de higiene, esmagados em ônibus velhos e estragados ou descendo do metrô, com problemas para caminhar nos trilhos, não podem ter compreensão; a doença, a inanição, o abandono, a ignorância, não podem esperar; a falta de esperança não pode esperar.
Mulheres parindo no chão dos hospitais, doentes terminais sem remédio para suas dores, médicos desesperados porque não há nem aspirina nem água limpa para oferecer, não podem ter paciência. Os estudantes que dependem do Fies, os bolsistas no exterior, por exemplo, não podem esperar.
DESCULPA ROMANCEADA
A explicação fornecida para a crise é de romance: a Europa e os Estados Unidos são os responsáveis, e São Pedro, que faz chover demais numa região e pouco em outra.
Se não formos um povo escolarizado, um povo informado, que lê jornal, assiste a noticiosos, conversa com família, amigos e colegas para saber o que se passa, é assim que seremos tratados. Promessas retumbantes e discursos otimistas e confusos não deviam mais nos enganar. A gente precisa da verdade. Precisa de respeito. Precisa das oportunidades que nos foram tiradas quando nos colocaram entre os últimos do mundo em educação, economia, confiabilidade e outros.
Mas talvez se possa ajudar o Brasil usando as armas mais eficientes que temos, se bem usadas: manifestações ordeiras, não acreditar em promessas vazias, nem dar atenção à dança de políticos que trocam de partidos e convicções, na festa das gavetas que reina no Congresso. E usar o “voto” — gesto mínimo e definitivo que pode derrubar estruturas perversas e chamar de volta entre nós as duas irmãs indispensáveis para uma nação soberana: esperança e confiança.
(artigo enviado pelo comentarista Mário Assis)




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