editorial do Estadão
A mais recente derrapada verbal do ministro Joaquim Levy, na qual manifestou a opinião de que a presidente Dilma Rousseff é bem-intencionada, mas nem sempre "da maneira mais efetiva", é, em si, irrelevante, mas as repercussões que teve sugerem algumas conclusões a respeito do caótico impasse político em que o governo está mergulhado. A primeira delas é a de que Dilma perdeu a excelente oportunidade de aproveitar a deixa involuntariamente oferecida por seu ministro para obter aquilo que nem mesmo todo o seu aparato publicitário tem conseguido: aparecer bem na foto.
Talvez mais do que os erros que vem cometendo, o que tem contribuído
decisivamente para a queda vertiginosa da popularidade e da
credibilidade da presidente da República é sua absoluta incapacidade de
admitir as próprias falhas. Dilma parece movida por uma soberba muito
semelhante à que acomete personagens que tiveram histórico de vida igual
ao dela. Tendo, na juventude, colocado a própria vida em risco na luta
contra a ditadura militar - que queria substituir pela ditadura do
proletariado -, esses personagens se sentem agora ungidos pelo dom da
verdade e credores da fidelidade cega de seus compatriotas, por quem no
passado teriam se sacrificado.
Fosse diferente, em vez de mandar Aloizio Mercadante dizer a Levy que
ficara "indignada" e "irritada" com seu depoimento, Dilma poderia
perfeitamente tomar a iniciativa de fazer uma autocrítica, reconhecendo
que o ministro da Fazenda apenas dissera o óbvio. Afinal, ninguém é
perfeito, nem mesmo a presidente da República - e o que lhe cumpre é se
esforçar para errar o mínimo possível.
Refeitos da surpresa, os repórteres se apressariam em anunciar aos
quatro ventos que Dilma decidira afinal calçar as sandálias da
humildade. E estaria dando o primeiro passo, quem sabe, para a
construção da nova imagem de uma chefe de governo até aqui considerada,
principalmente por seus subordinados, intolerante e arrogante.
Chama a atenção também a enorme discrepância entre as versões recolhidas
e publicadas pelos jornalistas junto a fontes palacianas a respeito
desse episódio. Após a divulgação, no sábado, das declarações de Levy em
palestra fechada realizada em São Paulo na terça-feira da semana
passada, nem o Palácio do Planalto nem o Ministério da Fazenda se
manifestaram oficialmente.
Mas o Estado obteve
de fontes palacianas a informação, publicada na edição de
segunda-feira, de que o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio
Mercadante, fora encarregado por Dilma de conversar com Joaquim Levy
sobre o assunto e que a presidente estava muito "indignada" e "irritada"
com o episódio. Ou seja: coube ao chefe da Casa Civil a relevante e
delicada missão de transmitir ao ministro da Fazenda a bronca da chefe.
Já de acordo com o jornal Valor, em matéria publicada também na
segunda-feira, fontes palacianas informaram que a Presidência e o
Ministério da Fazenda estão trabalhando para minimizar a repercussão do
episódio, sem nenhuma menção a indignação ou irritação.
O ministro Joaquim Levy, por sua vez, logo após a divulgação de suas
declarações, no sábado, distribuiu a íntegra do controvertido trecho de
sua fala para demonstrar que a referência à falta de efetividade de
Dilma como presidente fora mal interpretada porque "extraída do
contexto" em que havia sido colocada.
Como era de esperar, a controvérsia foi explorada pela oposição e também
pela ala do PT que resiste às medidas de ajuste fiscal propostas pelo
ministro da Fazenda. Resta agora a expectativa do primeiro contato de
Dilma com jornalistas quando, informa-se, ela voltará ao assunto. A
presidente deverá, então, ter em mente que prolongar essa questão poderá
deixá-la em posição pouco confortável, porque uma palavra mal colocada
certamente dificultará ainda mais a aprovação do ajuste fiscal pelo
Congresso. E ela não é habilidosa com palavras.
Finalmente, é preciso aceitar que mais esse episódio de ruído na
comunicação entre a presidente da República e seu ministro da Fazenda,
com toda certeza, não será o último. Para evitar impropriedades e
mal-entendidos é necessário que os membros do governo tenham algum
traquejo político. Algo que não se pode cobrar de Joaquim Levy. E muito
menos esperar de quem tenha o temperamento e o perfil autoritário de
Dilma Rousseff.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014
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