por Rosiska Darcy de Oliveira O GLOBO
Maioria
dos que contestam o PT não é ‘direitista’. São brasileiros que querem
que instituições funcionem, em particular a Justiça
A mentira tem uma lógica implacável. Só é possível mantê-la graças a
mais mentiras. Essas mentiras a mais vão exigir, para que não sejam
descobertas, uma cadeia de novas mentiras. A mentira é um poço sem
fundo. Com o tempo, ela invade tudo e passa a alimentar-se a si mesma.
Para o mentiroso, o hábito da mentira acaba por transformá-la na sua
verdade. Ele se sente injustiçado quando o acusam de mentir. O impostor
que se apresenta como herói sofre quando lhe dizem que ele não é senão
um impostor.
Foi essa logica diabólica que enredou o Partido dos Trabalhadores desde que suas lideranças começaram a mentir.
Seus militantes negam as acusações de corrupção sabendo que elas são
verdadeiras. Confrontados a provas irrefutáveis, alegam estar a serviço
de uma causa nobre — são os únicos que estão verdadeiramente do lado dos
pobres — o que, na linha dos fins que justificam os meios, os
absolveria. Argumento tragicômico. A causa dos pobres é a primeira
vítima dos desvios de dinheiro público.
Protegem-se das críticas repetindo a arenga da “esquerda” contra a
“direita”. E a “direita” amalgamaria todos que não compram a versão dos
heróis ofendidos.
Que esquerda é essa que o PT estaria encarnando? O que o partido fundado
por grandes brasileiros, como Mario Pedrosa e Paulo Freire, fez de si
mesmo, seu colapso ético que desrespeitou um passado honroso e o
comprometeu com uma corrupção sistêmica, não lhe autoriza a invocar o
monopólio da preocupação com os mais pobres e do projeto de assegurar a
todos os meios de sua dignidade.
Somos muitos no Brasil os herdeiros de um princípio de solidariedade e
de igualdade, que um dia definiu a esquerda. Somos muitos, ancorados em
uma consciência democrática, a honrar essa herança sem renunciar à
inegociável liberdade.
À esquerda de quem estão os tesoureiros presidiários? O dossiê
judiciário que se acumula contra seus dirigentes coloca o partido não à
esquerda, porem à margem. Na marginalidade.
Que direita é essa com que nos assombram? A estratégia petista para
manter seu poder tem sido promover a radicalização ideológica. Ameaçando
as ruas com supostos exércitos do MST, pela provocação acordam
fantasmas adormecidos, dando-lhes um protagonismo que já não têm. Esses
fantasmas de uma volta ao passado servem então de espantalho e fica mais
fácil dizer “quem não está conosco está com eles”. O amálgama
desqualifica, por contágio, todos que se opõem aos seus desígnios.
A esmagadora maioria dos que hoje contestam o PT não é “direitista”. São
brasileiros que querem que as instituições funcionem bem, em particular
a Justiça. São pessoas que ganham a vida com o seu trabalho e a quem,
por isso mesmo, a corrupção repugna. Que se preocupam, sim, com
políticas que combatem a pobreza e pedem serviços públicos decentes que
seus impostos pagam, bem sabendo que a corrupção é o buraco negro que
suga os recursos do país.
Não se referem a doutrinas, nem à esquerda nem à direita, referem-se à
vida real, querem um governo competente, querem liberdade de expressão
para formar livremente sua opinião, querem respeito.
Cansaram da coleção de bonés contraditórios do ex-presidente Lula, da
metamorfose ambulante, da farsa dos punhos fechados desses “prisioneiros
políticos” de si mesmos, de seu próprio governo. Cansaram das promessas
de campanha viradas pelo avesso, dos atos esquizofrênicos em defesa da
Petrobras convocados pelos que quase a destruíram.
Cansaram da mentira.
Os que se comportaram como donos do Estado quiseram também arvorar-se em
donos da sociedade, tentando encapsulá-la nas fronteiras estreitas de
movimentos sociais e organizações populares hoje a seu serviço mais do
que da expressão autônoma de direitos e identidades. Inútil; a sociedade
em sua diversidade é muito mais complexa e insubmissa do que
organizações que se tornaram paragovernamentais.
A população brasileira não está dividida pela oposição esquerda e
direita. Na nossa democracia cabem todos os atores políticos que se
exprimam no marco da legalidade constitucional. O que não cabe mais é a
corrupção se intitulando política. E, pior, mais cinicamente,
revolucionária. O que não cabe mais é a impostura.
O dicionário “Aurélio” oferece várias definições da impostura, todas em
torno da mentira, do embuste, da falsa superioridade. A última a define
como o “farrapo que se prende ao anzol para engodar os peixes”. Engodar é
seduzir com falsas promessas. O ex-presidente Lula está programando uma
viagem pelo Brasil para falar às “bases”. E se os peixes não vierem?
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014
0 comments:
Postar um comentário