Daniel Pereira - Veja
No processo do mensalão, alguns dos principais criminalistas do país
acusaram o relator Joaquim Barbosa de adotar uma postura imperial na
condução do julgamento e deturpar entendimentos jurídicos, como a teoria
do domínio do fato, para garantir a condenação de políticos e
empresários que protagonizaram o primeiro esquema de compra de apoio
parlamentar do governo do PT. A pressão não surtiu o efeito esperado, e o
Supremo Tribunal Federal (STF) sentenciou a antiga cúpula petista à
prisão.
A decisão foi considerada um "ponto fora da curva", conforme expressão
cunhada pelo ministro Luís Barroso, por mandar para a cadeia o
ex-ministro José Dirceu e, de quebra, representar uma rara derrota dos
mais renomados escritórios de advocacia. Apesar de derrotados no
mensalão, os criminalistas apostavam que a tal curva retornaria à sua
trajetória normal, sem novos pontos de exceção que abalassem a notória
dificuldade da Justiça brasileira de punir os corruptos de
colarinho-branco. A clientela, diziam os advogados, voltaria a dormir
tranqüila. Ledo engano.
Na semana passada, na primeira sentença relacionada ao petrolão, o juiz
Sergio Moro condenou oito pessoas à prisão. Seis delas também terão de
pagar uma indenização de quase 19 milhões de reais à Petrobras para
compensar os prejuízos registrados pela companhia com os desvios nas
obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. O doleiro Alberto
Youssef e o ex-diretor Paulo Roberto Costa receberam penas de nove anos e
dois meses e de sete anos e seis meses de prisão, respectivamente, mas
cumprirão apenas o que ficou acertado no acordo de delação.
Youssef ficará mais dois anos em regime fechado. Já a pena privativa de
liberdade de Costa valerá até outubro de 2016. Foram justamente Youssef e
Costa os primeiros a explicar como rodava a engrenagem clandestina na
Petrobras, movida por propinas pagas pelas empreiteiras a servidores e
políticos em troca de contratos superfaturados. Graças a essas
informações, os dois delatores tiveram suas penas no petrolão reduzidas.
Disse Moro: "Embora seja elevada a culpabilidade de Alberto Youssef, a
colaboração demanda a concessão de benefícios, não sendo possível tratar
o criminoso colaborador com excesso de rigor, sob pena de inviabilizar o
instituto da colaboração premiada". A sentença atingiu peixes pequenos
que atuavam nas águas sujas do petrolão. Haverá mais decisões pela
frente — e contra personagens graúdos. Há inquéritos contra cinqüenta
políticos e líderes partidários no STF. Além de ser o marco inicial da
punição aos ladrões da Petrobras, essa primeira leva de prisões
prenuncia mais um duro golpe na impunidade.
Desde a deflagração da Operação Lava-Jato e da prisão de executivos das
maiores empreiteiras do país, os advogados de defesa tentam
desqualificar o juiz e seu arsenal jurídico, exatamente como ocorreu no
mensalão. Em coro, alegam que Moro usa o instrumento da delação premiada
de forma desmedida e lança mão de prisões temporárias e preventivas
para pressionar os acusados a colaborar com a Justiça. Além disso,
afirmam que a investigação está apinhada de vícios e ilegalidades.
"Nos tribunais superiores, os ministros mostrarão as várias nulidades
desse processo", diz o advogado de uma grande empreiteira. Até agora,
STF e STJ têm chancelado a atuação de Moro, da prisão temporária de
empresários aos acordos de delação premiada. A advocacia exerce o
direito de espernear, que não consta dos códigos mas é uma tradição
nacional, numa tentativa de impedir que empreiteiros de ponta, como
Ricardo Pessoa, da UTC, e Léo Pinheiro, da OAS, sigam os delatores e
ajudem a esclarecer a principal dúvida sobre o petrolão: quem eram os
chefes do esquema de corrupção ou qual cadeia de comando autorizou e
avalizou o desfalque bilionário na Petrobras.
Como se sabe, não há recibo para atos de corrupção. Em casos complexos,
só a delação premiada é capaz de apontar as digitais por trás da
roubalheira. Como lembrou Moro num artigo sobre a Operação Mãos Limpas,
que atingiu o coração da máfia italiana, não há como condenar moralmente
o delator se a lei é justa e democrática. "Condenável, nesse caso, é o
silêncio", pontuou o juiz.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014
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