Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 30 de abril de 2015

A delação compensa

Daniel Pereira - Veja

 As primeiras sentenças do escândalo da Petrobras mostram que a tradição de impunidade nos casos de corrupção começa a sofrer um duro golpe

No processo do mensalão, alguns dos principais criminalistas do país acusaram o relator Joaquim Barbosa de adotar uma postura imperial na condução do julgamento e deturpar entendimentos jurídicos, como a teoria do domínio do fato, para garantir a condenação de políticos e empresários que protagonizaram o primeiro esquema de compra de apoio parlamentar do governo do PT. A pressão não surtiu o efeito esperado, e o Supremo Tribunal Federal (STF) sentenciou a antiga cúpula petista à prisão. 
A decisão foi considerada um "ponto fora da curva", conforme expressão cunhada pelo ministro Luís Barroso, por mandar para a cadeia o ex-ministro José Dirceu e, de quebra, representar uma rara derrota dos mais renomados escritórios de advocacia. Apesar de derrotados no mensalão, os criminalistas apostavam que a tal curva retornaria à sua trajetória normal, sem novos pontos de exceção que abalassem a notória dificuldade da Justiça brasileira de punir os corruptos de colarinho-branco. A clientela, diziam os advogados, voltaria a dormir tranqüila. Ledo engano.
Na semana passada, na primeira sentença relacionada ao petrolão, o juiz Sergio Moro condenou oito pessoas à prisão. Seis delas também terão de pagar uma indenização de quase 19 milhões de reais à Petrobras para compensar os prejuízos registrados pela companhia com os desvios nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. O doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor Paulo Roberto Costa receberam penas de nove anos e dois meses e de sete anos e seis meses de prisão, respectivamente, mas cumprirão apenas o que ficou acertado no acordo de delação. 
Youssef ficará mais dois anos em regime fechado. Já a pena privativa de liberdade de Costa valerá até outubro de 2016. Foram justamente Youssef e Costa os primeiros a explicar como rodava a engrenagem clandestina na Petrobras, movida por propinas pagas pelas empreiteiras a servidores e políticos em troca de contratos superfaturados. Graças a essas informações, os dois delatores tiveram suas penas no petrolão reduzidas.
Disse Moro: "Embora seja elevada a culpabilidade de Alberto Youssef, a colaboração demanda a concessão de benefícios, não sendo possível tratar o criminoso colaborador com excesso de rigor, sob pena de inviabilizar o instituto da colaboração premiada". A sentença atingiu peixes pequenos que atuavam nas águas sujas do petrolão. Haverá mais decisões pela frente — e contra personagens graúdos. Há inquéritos contra cinqüenta políticos e líderes partidários no STF. Além de ser o marco inicial da punição aos ladrões da Petrobras, essa primeira leva de prisões prenuncia mais um duro golpe na impunidade. 
Desde a deflagração da Operação Lava-Jato e da prisão de executivos das maiores empreiteiras do país, os advogados de defesa tentam desqualificar o juiz e seu arsenal jurídico, exatamente como ocorreu no mensalão. Em coro, alegam que Moro usa o instrumento da delação premiada de forma desmedida e lança mão de prisões temporárias e preventivas para pressionar os acusados a colaborar com a Justiça. Além disso, afirmam que a investigação está apinhada de vícios e ilegalidades.
"Nos tribunais superiores, os ministros mostrarão as várias nulidades desse processo", diz o advogado de uma grande empreiteira. Até agora, STF e STJ têm chancelado a atuação de Moro, da prisão temporária de empresários aos acordos de delação premiada. A advocacia exerce o direito de espernear, que não consta dos códigos mas é uma tradição nacional, numa tentativa de impedir que empreiteiros de ponta, como Ricardo Pessoa, da UTC, e Léo Pinheiro, da OAS, sigam os delatores e ajudem a esclarecer a principal dúvida sobre o petrolão: quem eram os chefes do esquema de corrupção ou qual cadeia de comando autorizou e avalizou o desfalque bilionário na Petrobras. 
Como se sabe, não há recibo para atos de corrupção. Em casos complexos, só a delação premiada é capaz de apontar as digitais por trás da roubalheira. Como lembrou Moro num artigo sobre a Operação Mãos Limpas, que atingiu o coração da máfia italiana, não há como condenar moralmente o delator se a lei é justa e democrática. "Condenável, nesse caso, é o silêncio", pontuou o juiz.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014

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