Opinião J. R. Guzzo: publicada na edição impressa de VEja
Há vários anos o Brasil se acostumou a ouvir
do governo, das suas principais lideranças e dos chefes do seu partido
que o país se divide em dois — “nós” e “eles”. Esse “nós” quer dizer, em
resumo, o ex-presidente Lula, seus admiradores e os que mandam hoje na
máquina do governo; segundo a visão oficial, representam todas as
virtudes possíveis de encontrar na vida pública, e por isso são os
únicos que têm o direito de governar. “Eles” são todos os demais, e
principalmente quem não concorda com as atitudes e os atos do
ex-presidente, do PT e do governo nestes últimos doze anos.
É uma maneira doente, em qualquer tipo de
situação, de fazer política — não é assim que funciona uma democracia.
Na situação de hoje, então, falar em “nós” e “eles” é um perigo. “Nós”
quem, por gentileza? Faz parte desse “nós”, sem nenhuma possibilidade de
dúvida, o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto, que vinha
ocupando seu cargo com o apoio total de Lula e do sacro colégio do
partido — e o homem, santo Deus, acaba de ir para a cadeia. Nunca antes
na história deste país foi tão melhor ser “eles”.
A prisão de Vaccari é um desastre a mais numa
série que parece não ter fim. O tempo passa, o mundo gira e viemos
todos, a folhas tantas, dar com a situação que se formou nas últimas
semanas: quando Lula, o PT e o seu sistema de propaganda, forçados pela
presença da população nas ruas, tiveram de olhar em volta de si mesmos,
acabaram vendo que “eles”, como dizem, são muito mais numerosos do que
“nós”. É como se descobrissem, de repente, que sua conta está errada:
“Mas será que ‘nós’ somos só isso?”. Sim, são só isso — mais Vaccari.
Na hora de colocarem gente na rua, constataram
que as massas populares que imaginam comandar não existem no mundo dos
fatos. Contam apenas com os subordinados a quem podem dar ordens,
tirados como sempre do quadro de servidores da CUT, MST, UNE e outros
grupos que só vão para a praça pública se os chefes mandarem. Vão em
ônibus fretados e pagos com dinheiro público, não trabalham, precisam
receber lanche e mesada em dinheiro, jogam pedra na polícia, metem o pé
no vidro de carros, derrubam latas de lixo; não sabem fazer outra coisa.
Já o que chamam de “eles” fizeram em menos de
um mês as maiores manifestações populares que o Brasil já viu desde a
campanha pelas eleições diretas, trinta anos atrás. Vão para a rua por
sua livre decisão e por sua própria conta; na segunda delas estiveram
presentes em 500 cidades. Quem, então, é a maioria e quem é a minoria
neste país? A conta para valer, na verdade, sempre foi esta.
Francamente: dá para acreditar que invasores de imóveis, bandos de
mascarados que destroem mudas de eucalipto e outros grupos marginais
representam a maioria da população brasileira? É claro que não dá.
Já a maioria verdadeira, que agora aparece em
peso em todos os cantos do país, mostrou mais uma vez que águas quietas
podem ser muito fundas. Praticamente ninguém, há pouco mais de um mês,
seria capaz de prever que um chamado feito por voluntários anônimos
pudesse levar multidões à rua; imaginar que 200.000 pessoas, por
exemplo, sairiam de casa para protestar contra o governo parecia um
completo disparate.
Parecia, mas não foi — o que, entre tantas
outras coisas, serve para recomendar um pouco mais de humildade a todos
os que imaginam que a vida se resume às suas próprias certezas, a
começar pelo governo. Suas Excelências se acostumaram a dizer que são os
primeiros e únicos, em toda a história, a representar o povo
brasileiro. Estão vendo agora que nem o governo Collor, descrito pelo PT
como o pior de todos os tempos, conseguiu reunir tanta gente contra si.
Lula e o seu universo estão com um problema e tanto. O que a
população está exigindo nas ruas é mais complicado que o “fora Dilma” —
quer um país que funcione, e isso nem Lula, nem Dilma, nem Vaccari são
capazes de entregar. Será que vão perceber que a sua corrente de
transmissão continua a girar, mas não está transmitindo nada? A ver. Ao
seu redor, por enquanto, fala-se em “vitória”, porque houve menos gente
na segunda manifestação do que na primeira.Imaginam, talvez, que quem foi no dia 15 março e não foi no 12 de abril se arrependeu e passou a apoiar o governo nesse meio-tempo. Dá o que pensar — com mais duas ou três vitórias dessas o PT não precisará se preocupar com nenhuma outra derrota. É a vida. Como diz José Saramago, a cegueira é um assunto particular entre as pessoas e os olhos com que nasceram. Não há nada que se possa fazer a esse respeito.
extraídadoblogdeaugustonunesdiretoaopontoveja
0 comments:
Postar um comentário