Eliane Cantanhêde O Estado de São Paulo
O vice-presidente Michel Temer tem sido impecável, sempre solícito ao
defender o governo, amolecer o coração de Renan Calheiros e de Eduardo
Cunha e, agora, atuar firmemente para aprovar o ajuste fiscal. Mas...
não convém a ninguém, muito menos a Dilma Rousseff e ao PT, esquecer
que, em caso de afastamento da presidente, Temer é o beneficiário
direto.
No Brasil, se o (ou a) presidente cai, por impeachment ou renúncia, quem
assume é o vice, e José Sarney assumiu mesmo sem Tancredo Neves ter
tomado posse. A exceção é se o afastamento é da chapa, ou seja, do
presidente e do vice. Se ocorrer na primeira metade do mandato, há
eleições diretas; na segunda, eleições indiretas, pelo Congresso.
Temos que a desgraça de Dilma corresponderia à glória de Temer e, até
por isso, ou principalmente por isso, ele tem de se comportar como a
mulher de César: além de ser honesto com Dilma (e não estar louco pela
Presidência), ele tem de parecer honesto (sem parecer nem um pouco
interessado no lugar dela). E é exatamente isso que o sempre discreto,
mas afirmativo, Temer tem feito: demonstra lealdade a Dilma e
desinteresse pelo cargo.
Pelo sim, pelo não, é bom ficar de olho e ouvidos abertos para os passos
e falas do vice. A última foi bem distante das crises em Brasília, em
circunstância pomposa. Após se encontrar com o presidente de Portugal,
Cavaco Silva, ele declarou a jornalistas que o impeachment é
"impensável": "Quanto menos se falar nesse assunto, maior será a
tranquilidade institucional que o país precisa neste momento".
Além de vice-presidente e agora coordenador político do governo, Temer
está na Europa para encontros com o presidente e o primeiro-ministro de
Portugal e com o rei e o primeiro-ministro da Espanha. Com um séquito de
jornalistas atrás, o que não é muito comum em viagens de meros vices. É
que, hoje, Temer não é mero vice.
A voz dele contra o impeachment ecoa no ambiente internacional e
engrossa a de líderes políticos de grande porte. O ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso puxou a fila, o presidente da Câmara, Eduardo
Cunha, veio atrás (pelo menos no caso do uso dos bancos públicos para
cobrir buracos do Tesouro) e a sensata Marina Silva endossa.
Muito crítica ao governo, Marina disse ao Estado que há um "buraco negro
institucional, político e econômico", que Dilma sofre uma espécie de
"cassação branca" e que é patente a responsabilidade política indireta
da presidente pelos escândalos na Petrobrás: "Como você é ministro de
Minas e Energia, chefe da Casa Civil e presidente da República e tudo
isso acontece? Há uma responsabilidade política".
Apesar disso, Marina usou o mesmo tom cauteloso de FHC sobre o
impeachment. Para ela, não há como passar por cima da "materialidade dos
fatos" e é preciso "responsabilidade" dos líderes.
Há, porém, dois problemas. Um é político: o PSDB uniu-se a PPS, PV e DEM
para se aproximar da chamada "voz das ruas" e aguarda ainda nesta
semana pareceres jurídicos sobre o afastamento da presidente. O outro é a
realidade: como faltam três anos e oito meses de governo, Dilma tem
tempo de dar a volta por cima, mas as chances de tudo continuar ruim, e
até piorar, são grandes...
Num trecho da entrevista cortado por falta de espaço, Marina disse que
"não acredita que, no momento, exista um único brasileiro com
consciência sobre o que está acontecendo que não tenha o temor" de que
os setores mais vulneráveis paguem o maior preço pela crise, com seus
empregos, o pouco poder aquisitivo que conquistaram e programas como
Pronatec e ProUni.
Pois é, a economia precisa sair do fundo do poço, trazendo com ela a
recuperação de ao menos parte da popularidade de Dilma e seu comando
político. Do contrário, a coisa vai ficar cada vez mais feia. Quem
estará à espreita? O tão leal Temer. E ninguém vai poder abrir a boca
para dizer que ele trabalhou contra...
extraídadoblogrota2014
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