Carlos Alberto Sardenberg O GLOBO
Para o PT, mensaleiros não foram mensaleiros, porque não houve mensalão; foram agentes políticos lutando pela liberdade
O governador de Minas, Fernando Pimentel, não citou nomes mas deixou
claro que estava comparando a história de Tiradentes com algum ou alguns
personagens da política de hoje.
Depois de lembrar que o alferes foi um subversivo condenado injustamente
para depois ser recuperado como um herói da liberdade, arrematou no
último dia 21, em cerimônia em Ouro Preto: “Não poderia ser mais
adequado neste momento da história brasileira celebrarmos Tiradentes”.
Quem, pois, estaria sofrendo a mesma injustiça? O primeiro suspeito,
quer dizer, o primeiro nome possível seria o de Ricardo Lewandowski,
presidente do Supremo Tribunal Federal, condecorado com o Grande Colar
da Inconfidência, a mais alta honraria de Minas.
Qual seria a injustiça sofrida pelo magistrado? Objetivamente, não há
nada contra ele, nem nos tribunais nem na política. Há críticas de que
ele teria sido, digamos, muito tolerante com o pessoal do PT no
julgamento do mensalão, mas essa é uma opinião entre outras e que,
certamente, não causou qualquer prejuízo ao magistrado. Tanto que foi
eleito presidente da Corte logo depois do julgamento.
O segundo suspeito, quer dizer, o segundo nome ao qual Pimentel poderia
estar se referindo é o de José Dirceu — este, sim, um condenado. Um
condenado símbolo. E isso remete ao discurso do PT, partido do
governador mineiro: os mensaleiros não foram mensaleiros, porque não
houve mensalão; foram agentes políticos lutando pela liberdade e
bem-estar do povo.
Eis, portanto, o que Pimentel poderia estar querendo dizer: petistas
honrados, simbolizados por José Dirceu, foram injustamente condenados
num julgamento viciado, contra o voto, heroico, de Lewandowski.
Se for isso, Pimentel estava também fazendo uma defesa prévia do pessoal
acusado na Lava-Jato. Também seriam vítimas do atual sistema dominante.
Seriam todos Tiradentes, de Lewandowski a Dirceu e Vaccari.
O problema é que o PT é o poder dominante. Seria opressor contra seus próprios quadros? Não pode.
Logo, deve haver por aí um outro poder, este sim julgando e condenando
os Tiradentes contemporâneos. Esse poder só pode ser aquele
representado, 13 anos atrás, no governo FH.
Resta um probleminha: toda vez que são acusados de algum deslize, desde
caixa dois até dinheiro sujo de campanha e pedaladas fiscais, os atuais
ocupantes do poder federal dizem que fazem a mesma coisa que se fazia no
governo FH e mesmo muito antes.
Donde se conclui, por esse tortuoso caminho: ou são todos culpados ou são todos Tiradentes.
A conclusão de verdade é que continua a sina do nosso herói.
E sem contar que ainda estão aumentando impostos.
Lava-Jato, a peça chave
A verdade é que o ministro Joaquim Levy avança bastante bem. Ganhou, por
exemplo, na última cartada, a intensa série de conversas que manteve no
FMI e com os investidores globais. Se não os convenceu plenamente, pelo
menos plantou a expectativa de que sua política econômica pode
funcionar e colocar o Brasil nos eixos. Mais do que isso: fez o pessoal
acreditar, pelo menos por enquanto, que a política é dele, Levy, e tem a
concordância (ou a tolerância conformada, segundo os mais céticos) da
presidente Dilma.
Por aqui, o ministro também vai passando essa impressão. Lança uma
medida atrás da outra e aponta a direção a todo momento (ajuste fiscal,
concessões para investimentos privados, reformas micro para facilitar a
vida de quem quer fazer negócios honestamente).
Ou seja, uma agenda de mercado ou, como diria João Pedro Stédile, um programa neoliberal praticado por um agente infiltrado.
O fato é que o mercado está gostando. É verdade que o pessoal não gosta
nem um pouco dos aumentos de impostos — e o ministro aqui também não
vacila. Diz a todo instante que boa parte do ajuste se faz com aumentos
da receita. Mas se isso ajudar a sair do atual buraco, dizem, vá lá.
A presidente Dilma não admitiu que sua política anterior estava errada.
Nem vai admitir, parece. Levy já disse algumas vezes que, sim, estava
errada. Mas depois de algumas trombadas com a presidente, mudou de
tática. Ao dizer o que precisa ser feito hoje, está sempre dizendo o que
não se deveria ter sido feito antes.
E assim segue. Conforme a recepção ao balanço da Petrobras, pode haver
alguma trégua que permita avanços na política econômica à Levy.
Tudo em paz?
Nada disso. A Lava-Jato é a variável chave. Pode derrubar a política, o
sistema dominante e muitos “Tiradentes” mais. E aí, mesmo bem-sucedida, a
política econômica será de pouco serventia.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014
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