José Paulo Kupfer O ESTADO DE SÃO PAULO
Embora muitos fossem os alvos das grandes passeatas de março e abril
contra o governo Dilma Rousseff, a indignação com a proliferação de
denúncias de corrupção deu claramente, o tom dos protestos. Entre tantas
faixas e cartazes levados à rua pelos manifestantes, um deles, com a
declaração de que "sonegação não é corrupção", chamou particularmente a
atenção. A mensagem, apesar de moralmente ambígua, traduzia, sem dúvida,
aspiração libertária de que fosse promovido um corte no tamanho do
governo, com redução ao mínimo de sua capacidade de intervenção no
cotidiano econômico e social, típica do pensamento político mais
conservador.
A convocação de rebeldia à imposição de taxas e tributos podia lembrar o
roteiro político de manifestações históricas que antecederam movimentos
de independência nacional de fins do século 18, entre os quais a
separação das 13 colônias inglesas, no que viria a ser os Estados Unidos
da América, e a Inconfidência Mineira, no Brasil, comemorada em 21
de abril. Ocorre que, por objetivar o uso de recursos ilícitos para a
obtenção de vantagens sobre os demais contribuintes - cidadãos e
empresas -, tanto a sonegação quanto a corrupção habitam os subterrâneos
da vida em sociedade e não raro aparecem de mãos dadas nos desvãos
sociais. Corromper com dinheiro sonegado é prática corriqueira no
submundo.
Há, em todo o mundo, preocupação crescente com as práticas de corrupção e
sonegação de tributos. Organismos multilaterais, como o FMI, o Banco
Mundial e a Unctad, agência da ONU voltada para o comércio global e o
desenvolvimento econômico, têm se dedicado com assiduidade cada vez
maior ao tema da fuga ao cumprimento de obrigações fiscais por pessoas e
empresas. É que essas práticas, sob o nome de sonegação, evasão ou
elisão fiscais, repercutem, intensa e negativamente, na economia e na
ampliação do bem-estar, principalmente nas regiões mais pobres do
planeta.
O Brasil é um destaque negativo entre os países de renda média, quando
se fala em sonegação de tributos. Está sempre entre os primeiros nos
rankings dos que mais deixam de arrecadar tributos, em razão da evasão
fiscal. Cálculos do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda
Nacional (Sinprofaz) estimam em cerca de R$ 520 bilhões anuais o volume
de dinheiro que deixa de ser arrecadado por manobras de planejamento
tributário ou simplesmente fraudes fiscais.
Essa quantia equivale a pouco menos de 10% do PIB e é praticamente igual
ao orçamento anual do Ministério da Saúde. De acordo com o estudo do
Sinprofaz para 2014, a sonegação desviou dos cofres públicos mais de um
quarto da arrecadação prevista. Se tudo o que deveria ser recolhido
chegasse ao destino legalmente determinado, a carga tributária poderia
ser reduzida em pelo menos um terço, descendo a menos de 30% do PIB e,
assim, equiparando-se à existente em países de renda per capita
semelhante.
A alta carga tributária é um dos maiores incentivos à sonegação - baixo
retorno em benefícios sociais, punições brandas e mal aplicadas,
labirinto de leis e exigências burocráticas são alguns outros estímulos à
sonegação -, vê-se que a evasão puxa mais evasão. Esse círculo vicioso,
que eleva o "prêmio" por sonegar, é reforçado pela probabilidade de o
sonegador não vir a ser fiscalizado e, quando pego no ilícito, escapar
de multas e juros, por meio legal ou não - vide Operação Zelotes.
Todo esse ambiente poluído é devidamente turbinado pelos governos, que
preferem, historicamente, elevar alíquotas de tributos existentes ou
criar novos. Sem falar no recurso condenável de reajustar faixas de
rendimento tributável abaixo da variação dos índices de inflação e, com a
manobra, taxar mais rendimentos que, em termos reais, não aumentaram.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014
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