Fernão Lara Mesquita o ESTADO DE SÃO PAULO
"As
ruas não têm um programa pelo qual lutar. São contra Dilma e os
partidos. Não são a favor de nada ... Não é só o governo que está à
deriva, é o País todo ... O que prejudica o governo não beneficia a
oposição. Não há partidos ou dirigentes políticos a lucrar com a crise
... não há organização ou personalidade que possa encarnar o desejo não
expresso da massa ... Os líderes oposicionistas não se projetam pelas
mesmas razões que fazem a Presidência sangrar: não dispõem de nexos com
as correntes vivas da sociedade ... Para 75% dos brasileiros, os 32
partidos cheiram igual ... O cenário conduz à anomia ..."
As frases acima foram tiradas de artigos deste e de outros jornais dos
últimos dias. Temos 45 meses de governo Dilma pela frente. A onda de
choques dos tarifaços da energia, dos combustíveis, da tributação dos
salários e do dólar está rolando. Há reuniões de cortes em todas as
empresas do Brasil. A cara mais feia da crise ainda nem chegou às ruas e
já a única coisa que une o País é a aversão à política, que, na
verdade, é aversão ao Estado de que os políticos se apropriaram, este
que se serve e não serve e que incha à custa do constrangimento do País.
Só que ninguém liga "lé" com "cré". A oposição mesmo, quando se dispõe a
interromper o gozo passivo das desgraças da situação, que são as
nossas, é para propor o uso de aspirinas para a cura do câncer.
Nada do que ficou para trás restou em pé. Com a passagem do PT pelo
poder, com as duas décadas de atraso correspondentes ao período em que o
País esteve suspenso do exercício prático da cidadania e mais a década
extra proporcionada pelo "efeito China", que retardou a colheita do que o
PT vem plantando, completa-se o ciclo da Nova República e o Brasil
finalmente deixa o século 20 e alcança o resto do mundo na constatação
de que somos uma só humanidade, sujeita às mesmas doenças, curáveis
pelos mesmos velhos remédios de sempre.
Agora é remover o entulho.
Nada vai mudar na vasta coleção de misérias por baixo das quais ainda
pulsa o pulso do Brasil com o que quer que venha a ser acrescentado à
desordem institucional vigente. Para que outro Brasil possa nascer será
preciso voltar atrás e plantar, afinal, em solo pátrio a pedra
fundamental da democracia, que é a da igualdade perante a lei.
O crime não fica impune, entre nós, por falta de adjetivos na sua
tipificação ou de números "trucados" na dosimetria das penas, mas porque
temos cinco "Justiças" diferentes e nenhuma definição clara de
competências, os juízes e os funcionários do Judiciário, como todos os
funcionários públicos, tornam-se indemissíveis a partir do momento em
que são nomeados pelos titulares dos Poderes que têm por função cercear,
e porque é preciso varejar uma biblioteca inteira para decidir quem
julga quem em quais circunstâncias dentro dos três Poderes e dos
milhares de corporações em que o País está fatiado, tantos são os
"foros" e os "direitos especiais". De fato é difícil saber se há hoje
mais brasileiros sob regimes de exceção ou submetidos à regra geral, ou
mesmo se existe uma regra geral e qual é ela.
Toda a retórica sobre "justiça garantista" é uma grossa mentira: a única
função desse inextricável emaranhado é ser inextricável para ensejar o
comércio do arbítrio e para garantir a imortalidade de um obsceno
sistema de privilégios.
Outros povos entraram nesse labirinto e saíram. A chave da charada está
em que a obra que se requer é de desconstrução e só pode ser levada a
cabo em regime de mutirão e em etapas sucessivas pelas pessoas
diretamente interessadas em que as coisas mudem. É um processo.
Não é fácil começá-lo, mas, num regime que ainda é o do consentimento da
maioria, tudo o que é necessário fazer é fechar o foco, porque, uma vez
dado o primeiro passo, ele é irreversível. O poder de retirar a
qualquer momento o mandato concedido a um representante - o recall, que
faz valer o princípio de que toda legitimidade emana do povo e somente
dele - subverte a cadeia das lealdades e pavimenta o caminho da
revolução permanente no campo institucional. Assim que o eleitor
conquista esse poder, a única opção de vereadores, deputados e senadores
passa a ser jogar a favor do seu representado ou ir procurar outro ramo
de atividade. E por meio deles essa arma alcança também o Executivo.
A impunidade é a decorrência necessária de uma cadeia de lealdades
pervertidas. Se o primeiro elo puder ficar impune e mantiver o poder de
nomear "indemissíveis" para todo o sempre, todos os que estiverem abaixo
dele ficarão impunes também. Não ha como romper essa lógica "por
dentro". Só o recall é capaz de quebrar essa cadeia e o voto distrital
puro - com cada candidato sendo eleito por um grupo identificável de
eleitores - permite que ela seja quebrada quantas vezes for necessário
apenas na parte doente do tecido social, sem que o restante da Nação
seja perturbado.
A partir dessa conquista inicial a cidadania está condenada à vitória.
Com o recall em punho, a primeira providência deve ser a de reforçar o
arsenal. Pode-se inaugurar a temporada constrangendo gentilmente os
legisladores a reforçar o alcance e blindar as leis de iniciativa
popular contra desvirtuamentos espúrios (falo das sem filtro,
legitimadas pelo voto universal fisicamente aferível, ainda que com
alternativa de voto eletrônico, e não das falsificações do PT);
estabelecer a obrigatoriedade de submeter a referendo qualquer aumento
ou mudança de destinação dos impostos e outras decisões controvertidas
dos Legislativos; instituir o voto de retenção de juízes de Direito, que
operará no Judiciário o mesmo milagre já instalado no Legislativo;
substituir funcionários nomeados por funcionários eleitos (sujeitos a
recall); despartidarizar as eleições municipais para garantir o
permanente afluxo de água fresca aos reservatórios da política...
Não há limites. Para fazer reformas - tantas quantas se tornarem
necessárias - tudo o que é preciso é conquistar o poder de fazê-las você
mesmo. E "a mão armada".
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014
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