por Carlos Alberto Sardenberg O Globo
O aumento de receitas tem mínima chance de passar no Congresso e chance nenhuma no tamanho em que está
Tirante o ministro Levy, quem mais no governo e na sua base quer mesmo
fazer o ajuste fiscal? Ninguém — é a resposta que vai se formando.
Comece pelos cortes propostos no pacote de ajuste. Dividem-se em dois
grupos: ou são de difícil aplicação, como os que tiram salários e
benefícios dos funcionários público, ou são mera simulação.
Dá a impressão, mas uma forte impressão, de que a coisa se passou assim:
Dilma e o ministro Nelson Barbosa, gestores daquele primeiro desastroso
orçamento com déficit, que derrubou o grau de investimento, resolveram
que precisavam atender, por ora, a bronca de Wall Street. Montaram de
última hora aquele pacote que antes era impossível fazer.
Reparem: quem manda no corte de gastos é o ministro do Planejamento, Barbosa. Levy, da Fazenda, fica com o aumento da receita.
A medida que, em tese, economiza mais dinheiro é o adiamento do reajuste
salarial do funcionalismo de janeiro para agosto e a eliminação de
outros benefícios. Mas os sindicatos de servidores, muitos deles em
campanha salarial, estão na base política da presidente Dilma,
mobilizados contra o impeachment. Aliás, estão nisso, na defesa do
mandato, com os movimentos sociais, que não perdem oportunidade de
condenar o ajuste fiscal.
Ou seja, ali onde é possível fazer uma boa economia, a presidente está
contrariando setores decisivos de sua sustentação política.
Outras medidas cortam vento. O governo ainda não decidiu quais
ministérios vai cortar, nem disse como seria esse enxugamento, nem
quanto pessoal seria dispensado. Mas prevê uma economia de R$ 2 bilhões
no ano que vem em despesas administrativas e de custeio (viagens, táxis,
cafezinho etc...). Parece crível??
Também diz o governo que vai economizar com a suspensão de concursos.
Não é um corte de despesa corrente, mas uma promessa de que não vai
gastar o que pretendia gastar. Vento, que irrita funcionários e
concurseiros.
Mais: o pacote tira R$ 5 bilhões do Minha Casa Minha Vida, dinheiro que
seria aplicado pelo Tesouro, mas recolhe a mesma quantia no FGTS e passa
para o Minha Casa. Em manobra idêntica, o plano retira R$ 7,6 bilhões
do PAC e da Saúde, e aloca exatamente o mesmo valor com base nas emendas
parlamentares.
Não é preciso pensar muito para concluir que tudo isso faz sentido com o
discurso original da presidente Dilma — o de que não mexeria nos seus
programas prediletos. O pacote seria, assim, uma manobra dispersiva,
algo para impedir que outra agência de classificação de risco reduza a
nota brasileira já neste ano. Ganha tempo, enquanto a presidente
recupera prestígio e salva o mandato. É o que devem ter pensado os
estrategistas,
incluindo Dilma.
Dirão: mas é simplista. Pode ser. Mas eles não acharam que não teria nada demais apresentar um orçamento com déficit?
No outro lado do pacote, o das receitas, a parte do ministro Levy, tem
dinheiro grande. A nova CPMF sozinha daria R$ 32 bilhões, metade do que o
governo precisa arranjar para alcançar um superávit para 2016.
Especialistas também estão descobrindo que algumas “mexidinhas” — como
na cobrança de impostos sobre juros de capital próprio e na garfada no
dinheiro do Sistema S — podem dar mais recursos que o estimado
oficialmente.
A CPMF, que o ministro Levy sempre defendeu, curiosamente atende à base
esquerda da presidente Dilma. Como esse pessoal acha que tudo se resolve
com aumento de gasto, a CPMF traz o dinheiro necessário para, por
exemplo, esquecer ou adiar essa conversa sobre reforma da Previdência.
Mas há uma ampla e variada maioria contra a CPMF no Congresso. Assim
como nos meios empresariais, que andaram apoiando o mandato da
presidente Dilma, há uma clara irritação com a nova onda de impostos.
Então ficamos assim: os cortes anunciados são, no mínimo, duvidosos, e certamente de difícil implementação.
O aumento de receitas tem mínima chance de passar no Congresso e chance
nenhuma no tamanho em que está. Mesmo quem é a favor do ajuste fiscal —
nos meios políticos, econômicos e sociais — esperava que fosse uma
“ponte”, como diz o ministro Levy, para ultrapassar a turbulência e
iniciar um programa de reforma estrutural do setor público.
Mas o que se vê do outro lado da ponte?
Nada, nem uma reforminha da Previdência.
O que nos leva ao desfecho: o ajuste fiscal não sai; outras agências
tiram o grau de investimento; Levy cai fora, claro, pois ele estava ali
para fazer o ajuste; Nelson Barbosa assume a Fazenda e, com Dilma, volta
à matriz de aumento de gastos e estímulos ao consumo.
Vai aumentar a dívida e a inflação, mas e daí? O grau de investimento já
estará perdido — e aliás é uma coisa de neoliberais. Nem precisa
procurar muito para encontrar economistas para endossar isso.
A questão é saber quanto Dilma se aguenta com mais inflação, mais recessão e mais desemprego. Sem contar a Lava-Jato.
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