por Ferreira Gullar FOLHA DE SÃO PAULO
Vou hoje comentar o discurso que Lula fez na abertura da Marcha das
Margaridas, em Brasília, há algumas semanas. Apesar do atraso com que o
faço, parece-me oportuno comentá-lo pelo caráter exemplar da maneira
como, ele, ex-presidente da República, manipula os fatos da realidade
nacional.
A tal marcha foi organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura (Contag), certamente por iniciativa de Lula, visando pôr
em prática o conselho que tem dado a Dilma para enfrentar sua crescente
impopularidade.
Na sua opinião, ela deveria ir para as ruas mobilizar o povo contra os adversários.
Sucede que onde ela aparece é vaiada. Logo, para "falar às massas", terá
de fazê-lo em recinto fechado, como tem feito ultimamente.
A Marcha das Margaridas começou na rua quando Lula discursou –mas foi
solidar-se com Dilma dentro do Palácio do Planalto, longe do povo. Ali,
devidamente protegida, disse o que sempre diz, isto é, que as
dificuldades são passageiras, pois se trata apenas de uma travessia.
Já o discurso de Lula merece ser comentado, por ser exemplo da versão
que ele (e o PT também) apresenta dos fatos políticos e particularmente
das sucessivas denúncias que têm vindo a público com as delações feitas
pelos sócios do governo petista nas propinas.
Ele começou o discurso pedindo compreensão para os erros do governo, mas
logo em seguida afirmou que a responsabilidade da crise não cabe à
presidente Dilma Rousseff. Diz isso para depois admitir que ela erra,
mas erra como todo mundo e, por isso, devemos ter compreensão com seus
erros. A essa altura, quem o ouvia certamente se perguntava, afinal das
contas, se Dilma errou ou não errou. Mas o objetivo era exatamente esse:
confundir o pessoal.
Logo depois, mudou o tom de sua fala, alegando que "este é o momento de a
gente levantar a cabeça e dizer para a companheira Dilma que o
problema, pelo qual o país está passando, não é só seu, é nosso".
Ou seja, a culpa é de todos. Portanto, "se ela errar –porque todo mundo
erra– temos de levar em conta que ela é nossa e temos de ajudá-la a
consertar".
O discurso é uma descarada embromação. Se o país está em crise, a culpa
não é de Dilma, mas teríamos todos de ajudá-la a consertar o erro, ou
seja, como ela é nossa, "vocês terão de apoiá-la a qualquer custo". Sim,
porque, se os próprios petistas se convencerem de que Dilma levou o
país ao impasse por incompetência, a culpa será dele, Lula, que a fez
presidente da República.
Por essa razão, mais uma vez, há que enganar os que ouvem seu discurso,
deliberadamente confuso e embromatório. Mas nisso Lula é mestre, e o
ensinou a seus auxiliares imediatos. A verdade, porém, é que essa
conversa de Lula só engana quem quer ser enganado.
De qualquer modo, com a inflação crescente, os preços todos subindo e o
desemprego aumentando a cada dia, não é possível, mesmo para Lula,
descomprometido com a verdade, afirmar que está tudo bem. Por isso,
forçado a reconhecer que a coisa vai mal, transforma Dilma em vítima.
Mas sua desconsideração com a verdade não tem limites, pois chega a
afirmar que ele também já passou por situação semelhante, em 2005,
quando tentaram contra ele o impeachment e "só levantei a cabeça graças a
vocês".
Tudo mentira, já que, naquela ocasião, ninguém tentou derrubá-lo, nem
havia crise econômica ou política, como agora; o que havia era o
escândalo do mensalão, quando ele e sua turma usaram dinheiro público
para comprar deputados. A falcatrua foi comprovada e seus principais
auxiliares –José Dirceu, Genoino e Delúbio Soares– foram condenados pelo
Supremo Tribunal Federal.
Ele, Lula, esperto como sempre, escapou dessa e, apesar disso, em vez de
se envergonhar do que fez, apresenta-se como vítima de uma conspiração
que visava derrubá-lo.
Segundo ele, o mesmo se tenta agora com a Operação Lava Jato. Tudo
conspiração da elite branca contra ele e seus comparsas, os defensores
dos pobres que, de tanto defendê-los, ficaram ricos.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
0 comments:
Postar um comentário