por Merval Pereira O GLOBO
Cunha já havia anunciado que não renunciará mesmo que seja denunciado, o que demonstra, por si, o desprezo que nutre pelas aparências. É verdade que hoje em dia é difícil até mesmo um japonês fazer o harakiri devido a desvios morais, mas não precisa exagerar.
Caso seja denunciado por corrupção, Eduardo Cunha tem a obrigação de abrir mão da presidência da Câmara, ou pelo menos se licenciar do cargo, para não desmoralizar ainda mais a instituição, e poder se defender das acusações. Não basta dizer-se perseguido pelo Palácio do Planalto, até mesmo por que uma perseguição política não tem o dom de tornar culpados em inocentes.
Seus adversários podem estar se aproveitando da fragilidade de sua posição para tentar desmoralizá-lo, mas esta é a parte do jogo que é lícita. Para provar que o jogo pesado do governo é mais profundo, isto é, que a denúncia de que recebeu milhões de dólares em suborno é forjada, Eduardo Cunha precisará fazer mais do que simplesmente gritar contra uma suposta armação política.
Terá que provar sua inocência, mostrar ao eleitorado que merece estar na presidência da Câmara. O Brasil já esteve mais sintonizado com os valores morais, mesmo em situações políticas degradadas como as de agora. Políticos poderosos como Antonio Carlos Magalhães, Jader Barbalho, o próprio Renan Calheiros, já se sentiram constrangidos em situações políticas adversas, e abandonaram os cargos, impossibilitados de nele permanecerem pela própria pressão de seus colegas, pressionados por seu lado pela opinião pública.
Hoje, o mesmo Calheiros, embora esteja sendo investigado em várias frentes, não se sente pressionado a deixar o cargo. Mudaram os tempos. Cunha ontem observou que o PT teria que ter os mesmos princípios “para todos os quadros deles que são por ventura investigados ou suspeitos de qualquer coisa. Se eles pedem qualquer tipo de coisa em relação a mim, deviam começar pedindo o afastamento de ministros e talvez discutindo o da própria presidente. Talvez eles possam aderir à tese do impeachment, ironizou”.
Raciocínio perfeito, se não fosse a negação, pelo absurdo, do comportamento correto que todos os políticos deveriam ter. Cunha exige do PT um comportamento que, para ele, é despropositado, pois se considera perfeitamente adequado à presidência da Câmara mesmo que seja denunciado por corrupção.
Da mesma maneira, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz, nem pisca diante da denúncia de que seu filho, Tiago Cedraz, faz advocacia administrativa no órgão que integra e hoje preside. O bom-senso, se não a boa educação cívica, exigiriam que o filho andasse a léguas de distância do TCU, mas pelo que consta o presidente Cedraz nem esboçou um gesto simbólico de colocar o cargo à disposição para tentar obter o apoio dos colegas.
Simplesmente não cogitou nenhuma atitude, por que já não existe constrangimento em manter as posições como se nada estivesse acontecendo. No Brasil parece que se você não se mexe quando denunciado, tudo acabará sendo esquecido, um novo escândalo tomará o lugar do antigo.
Instalou-se no país uma tal selvageria na gestão da coisa pública que temos 10% do Congresso investigado, o que torna todos os gatos gordos em pardos, dificultando a profilaxia necessária. Em outros tempos, e também tempos bicudos em termos morais, pelo menos as comissões de Ética da Câmara e do Senado já estariam discutindo a questão, nem que fosse para manter as aparências.
Hoje, os presidentes da Câmara e do Senado se sentem em condições de ditar a agenda do país, e ainda colaboram para que a presidente da República pose de inatacável. Eduardo Cunha e Renan Calheiros se dizem vítimas de um complô palaciano. E a presidente Dilma se diz vítima de políticos inescrupulosos e de um Tribunal de Contas sob suspeita.
Quando todos são culpados, ninguém é punido. Será que o país aguenta?
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