Opinião J. R. Guzzo Publicado na versão impressa de VEJA
O segundo governo da presidente Dilma Rousseff
deu para imaginar o fim do mundo a cada vez que a população vai para a
rua; deve ter suas razões. Daí, quando as pessoas voltam para casa e se
descobre que o mundo, obviamente, continua de pé, as altas autoridades
da República passam a contar vantagem. Insultam os manifestantes. Dizem
que estão fazendo um governo praticamente perfeito ─ se uma ou outra
coisa não vai bem, a culpa é da economia dos Estados Unidos, ou da
China, ou de quem mais possa lhes dar na telha.
Agem como se todos os brasileiros que não
foram às manifestações estivessem a favor do governo. Acreditam que
saíram da bacia das almas porque fecharam negócio com a nova equipe de
resgate chefiada pelo senador Renan Calheiros e seus associados de
sempre ─ Fernando Collor, José Sarney, Paulo Maluf e outros gigantes que
hoje são os anjos da guarda da esquerda nacional. A presidente, mais
uma vez, diz: “Daqui ninguém me tira”.
Dilma Rousseff não caiu entre o domingo e a
segunda-feira da semana passada, depois que centenas de milhares de
pessoas, pela terceira vez em cinco meses, mostraram em praça pública o
quanto desprezam seu governo, seu partido e seus aliados. E como poderia
ter caído? A população, no dia seguinte, tem de trabalhar, cuidar da
casa, tocar a vida; não pode continuar na rua. Os que vão aos protestos
não são militantes pagos pelos “movimentos sociais” que vivem de
dinheiro do governo. Não são golpistas: não querem dar golpe nenhum, se
quisessem não saberiam como, nem têm tempo para isso. Mas a presidente
da República, o Instituto Lula e os comitês centrais do PT fazem questão
fechada de não pensar na única realidade que importa no momento ─ com
essas multidões ocupando livremente as ruas é impossível acreditar que o
governo esteja ganhando alguma coisa.
Não dá para insistir que os seus donos estão
certos ─ e que os 70% dos brasileiros que os condenam nas pesquisas de
opinião estão errados. Mais que tudo, nenhum dos problemas urgentes que o
Brasil tem hoje andou um milímetro no rumo de uma solução depois que as
passeatas acabaram. O governo Dilma não é capaz de perceber, quando
acha que chegou ao fim de uma dificuldade, que está apenas no começo de
outra. Ficou combinado, no grosso dos comentários feitos até agora, que a
presidente “ganhou tempo”. É mesmo? E quanto foi esse tempo ganho? O
suficiente para atravessar os próximos três anos e quatro meses que tem
pela frente? Fala sério.
Será preciso, em primeiro lugar, que alguém
comece a governar. Tanto quanto se pode ver, o refrão “fora Dilma” ficou
superado ─ ela já está fora há muito tempo, desde que desistiu de ser
presidente da República e optou por chefiar um governo paraplégico.
Hoje, na visão de Lula, do PT e da “base”, só serve para levar a culpa
por tudo; para o restante do país, não tem utilidade conhecida. Mais que
tudo, a travessia vai exigir dos donos do governo o reconhecimento de
uma realidade bem simples: seu verdadeiro problema não está nas
manifestações de rua, no “golpe da direita”, na crise “do capitalismo”,
no deputado Eduardo Cunha e outros favoritos do seu atual elenco de
demônios ─ está em Curitiba, no juiz Sergio Moro e na 13ª Vara Criminal
Federal. É algo que, até agora, têm sido mentalmente incapazes de fazer.
O governo dos últimos treze anos resume-se
hoje a uma soma de restos a pagar. Não quer, e talvez já não possa,
zerar essa conta. Enquanto isso, na vida como ela é, tudo continua a
provar por A + B que o Brasil, tal como é governado hoje, não corre o
menor risco de dar certo. Descobriu-se no noticiário que na sua recente
visita de um dia à Califórnia, durante a viagem que fazia aos Estados
Unidos, a presidente Dilma Rousseff conseguiu gastar 100 000 dólares só
com o aluguel de carros. Foram contratados 25 motoristas para levar a
comitiva brasileira de lá para cá, a bordo de automóveis, vans, ônibus e
até um caminhão. (Eis aí, entre outras, a pergunta que não quer calar:
por que esse caminhão?)
Embora a visita de Dilma tenha durado apenas
um dia, o contribuinte brasileiro pagou a circulação da frota inteira
durante os quinze dias anteriores; segundo os gerentes do Palácio do
Planalto, foi preciso esse tempo todo para preparar as coisas bem
direitinho. Para completar a comédia, o governo só pagou à locadora dos
veículos depois de se ver ameaçado de um processo de cobrança na Justiça
americana. Como pode funcionar um país que gasta 100 000 dólares com
aluguel de carros num passeio, incluindo um caminhão para levar a tralha
de Sua Excelência? Não pode.
EXTRAÍDADEAUGUSTONUNESOPINIAOVEJA
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