por Vinicius Torres Freire Folha de São Paulo
O excesso de desgraças domésticas nos deixou ainda mais esquecidos do
que de costume sobre o mundo perigoso lá fora. Também como de costume, o
tumulto exterior deve nos causar problemas. O pânico financeiro dos
últimos dias foi o leite que entornou de uma panela que ferve, a China.
No fim das contas, isso tende a afetar ainda mais países dependentes de
commodities, com dificuldades de responder com medidas de política
macroeconômica (juros, gasto de governo, por exemplo) e que não
conseguem fazer reformas institucionais.
Essa carapuça cabe perfeitamente no Brasil. Mas há efeitos até nos Estados Unidos.
A Bolsa chinesa derreteu outra vez ontem e de modo operístico porque o
governo da China não adotou (mais) medidas que os donos do dinheiro
grosso esperavam a fim de conter a baixa do preço das ações. A bolha da
Bolsa, no entanto, esvazia desde junho.
Mas o buraco é mais embaixo.
A China cresce cada vez mais devagar, além da conta prevista, aliás.
Desacelera porque lida com os transtornos de algumas reformas
pró-mercado, entre outras (tentou até dar uma liberada no controle do
câmbio). O investimento em construção civil cai. Recentemente, a baixa
na exportação, o colapso da Bolsa e das vendas de casas e carros
elevaram a preocupação com o crescimento.
Ainda se debate por que a China desvalorizou sua moeda, há quase duas
semanas. Foi uma desvalorização pequena para quem quer baratear seu
produto e ganhar mercado.
Ainda assim, há expectativas de alguma desvalorização adicional. Além de
moeda relativamente mais forte, o comércio mundial cresce muito pouco
desde a crise de 2008. Exportar mais poderia ser um auxílio.
O país enfrenta alta de custos domésticos (salários que saem do nível
miserável), agravada pela alta relativa da moeda, relevante desde a
crise de 2008, em especial quando comparada ao euro e ao iene.
Uma desvalorização chinesa balança o coreto mundial, já avariado.
Derruba mais o preço das commodities, o que afeta moedas e exportações
de países que vendem muito para a China (como o Brasil).
Uma desvalorização chinesa não sai de graça, de resto, no curto prazo,
porque pode provocar mais fugas de capital da China (ninguém quer ficar
com um dinheiro que perde valor) e "secar" o dinheiro no país, enxugando
crédito e provocando mais pânicos financeiros, como esse da Bolsa, mas
não apenas.
Esse dominó de desvalorizações de moedas continuaria a derrubar preços
importantes no comércio mundial, elevando riscos ou temores de inflação
baixa demais além da conta, nos Estados Unidos e Europa, o que por sua
vez afetaria a rentabilidade das empresas de lá.
Em suma, como dizem economistas, a China acabaria por exportar sua
deflação e (relativa) fraqueza econômica, contaminando tanto
"emergentes" (de forma virulenta) quanto EUA e Europa, abortando outro
princípio de recuperação econômica mundial.
Ou não? Dada a "malaise" chinesa e emergente, os EUA podem deixar para
as calendas sua alta de juros tão esperada; os chineses em breve podem
lançar seu pacote de estímulo. O mundo do dinheiro parece estar entre a
opção de manter bolhas infladas ou enfrentar pânicos e riscos de baixa
global do crescimento.
extraídaderota2014blogspot
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