editorial da Folha de São Paulo
Os bancos públicos pretendem outra vez remediar o que julgam ser as
dificuldades especiais de alguns setores econômicos, em tese
prejudicados de modo particularmente duro pelo quadro recessivo.
A presidente Dilma Rousseff (PT), em outras palavras, reincide nas
intervenções que, a seu ver, têm o poder de dar um norte virtuoso ao
funcionamento do mercado.
A iniciativa, desta feita, não deve resultar nos descalabros do primeiro
mandato da petista –em particular nas contas do governo, na indústria
do petróleo e no setor elétrico. Ainda assim, as medidas causam mais
descrença quanto à disposição e à capacidade do Executivo de lidar com
os motivos fundamentais da crise.
Em termos estritamente econômicos, é difícil ver sentido na ação concertada da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil.
No que diz respeito à política econômica, o plano cobre com ainda mais
descrédito a tentativa de enfrentar problemas de fundo. Acrescenta novo
ingrediente a um caldeirão repleto de incertezas como o histórico da
presidente, a atuação do PT e a irresponsabilidade do Congresso diante
do necessário ajuste das contas públicas.
Em termos gerais, a iniciativa parece eivada de casuísmos, pois o
governo agracia parte do mundo empresarial que lhe granjeou algum apoio
político indireto e procura estimular novas adesões.
Grosso modo, os bancos passam a oferecer empréstimos para financiar as
demandas mais prementes de fornecedores de bens e serviços das
indústrias fabricantes de veículos automotores em geral. Fez-se um
arranjo pelo qual os pagamentos das montadoras servem de garantia ao
crédito estatal.
Falta crédito, de fato. O Banco do Brasil enfatiza que não haverá
subsídios em seus empréstimos. No caso da Caixa, haverá recurso a fundos
públicos e taxas subsidiadas –desde que, ao menos em tese, satisfeitos
requisitos como a manutenção do nível de emprego nas empresas
agraciadas.
O governo, além disso, afirma que outros setores (cooperativas
agrícolas, petróleo e gás, construção civil) serão beneficiados por
programas semelhantes.
Do ponto de vista macroeconômico, o plano parece no mínimo incoerente. A
política que tem sido implementada é de redução de consumo público e
privado, manifesta nos cortes das despesas do governo e na contenção do
crédito.
Importa, ademais, fazer perguntas incômodas para o Planalto.
Em que se baseia a escolha deste ou daquele setor? Qual o dom do poder
público de acertar escolhas de direcionamento de capital, ainda mais
considerado o péssimo retrospecto das intervenções deste governo? Qual
será o efeito desses empréstimos na rentabilidade dos bancos públicos e,
portanto, no caixa da União e dos fundos que vão alimentar a
iniciativa?
O programa condiciona, em certos casos, empréstimos especiais, mais
baratos, à manutenção de emprego. Difícil acreditar que o Planalto tenha
capacidade ou disposição política de verificar o cumprimento de tal
cláusula.
No caso de infrações, fica-se a imaginar de que maneira o contrato será
denunciado. Por fim, é discutível que a manutenção do emprego em setores
escolhidos a dedo seja a solução mais eficiente para a economia como um
todo –talvez houvesse melhores resultados se o dinheiro se dirigisse a
negócios mais promissores e rentáveis.
Mais importante, porém, é o que ações dessa espécie revelam sobre a
incapacidade do governo de apresentar planos de alcance maior.
Esta Folha tem reiterado desde o início do ano que apenas medidas
emergenciais de contenção do endividamento público –o chamado ajuste
fiscal– não bastariam nem mesmo para limitar a gravidade da recessão,
menos ainda para facilitar a retomada duradoura de algum crescimento
mais adiante.
Ocorre que, para piorar, nem sequer o ajuste emergencial funciona a
contento, pois o governo federal deve ter outro deficit primário
(despesas maiores que as receitas, excluído o gasto com juros).
Portanto, além de refazer um plano imediato de contenção de gastos e
aumento de receitas, o governo ainda precisa apresentar o restante desse
programa: ações que sinalizem a volta aos trilhos após a estagnação.
Afora evitar o descontrole das contas, tal plano de médio prazo pode abreviar e atenuar a recessão.
Trata-se do tão conhecido projeto de limitar o crescimento da despesa
regular do Estado ao aumento do PIB per capita, no máximo; de
simplificar impostos e regras sobre investimento e produção; de reduzir
regulamentação do trabalho; de dar cabo pelo menos das normas que
aumentaram custos e dívidas de setores cruciais, como petrolífero e
elétrico.
Compare-se, porém, tal programa com as ruminações e reincidências no
vício do presente governo. De um lado, planos para o país; de outro,
remendos casuísticos.
EXTRAÍDADEROTA2014BLGSPOT
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