Roberto Pompeu de Toledo
Publicado na versão impressa de VEJA
Uma singela cartinha, estampada no jornal Folha de S.Paulo, na coluna de Mônica Bergamo, do último dia 7, começava assim:
“Senhor vice-presidente,
Com os meus cordiais cumprimentos, dirijo-me a
Vossa Excelência para encaminhar as seguintes indicações para cargos de
diretorias na Companhia Docas do Estado de São Paulo ─ Codesp”.
Quem assinava a carta, dirigida ao
vice-presidente Michel Temer, era o deputado Beto Mansur (PRB-SP),
primeiro-secretário da Câmara dos Deputados. Seguiam-se os nomes de três
indicados, respectivamente para as diretorias Comercial e de Negócios,
de Infraestrutura e Obras e de Planejamento e de Assuntos Estratégicos,
cada um deles diligentemente acompanhado dos nomes de quem o indicou. O
primeiro, o da diretoria Comercial e de Negócios, era indicação do
deputado Ricardo Izar (PSD-SP) e do próprio Beto Mansur; o segundo, dos
deputados Milton Monti (PR-SP) e Nelson Marquezelli (PTB-SP); o
terceiro, dos deputados Marcelo Squassoni (PRB-SP) e Baleia Rossi
(PMDB-SP). Em suas escassas 22 linhas, a carta tinha o efeito de enfim
trazer um segredo à tona.
Ora, direis,
então não sabias que era assim? Seria necessário ter passado as últimas
décadas em outra galáxia para ignorar que cargos no governo são
leiloados, e que o vice-presidente Michel Temer, hoje na pele de
“articulador político”, tem função equivalente à de leiloeiro oficial. E
eu vos direi no entanto que uma coisa é estar cansado de saber que os
hipopótamos existem, e outra é deparar com um exemplar em carne e osso. A
carta do deputado Beto Mansur era como o hipopótamo que enfim se
expunha por inteiro para fora do pântano. Não é qualquer dia que isso
ocorre. Frequentadores de zoológicos muitas vezes têm de se contentar
com não mais que uma narina a emergir da água. A carta do deputado é um
tesouro do qual se extraem duas lições para os dias que correm.
No mesmo dia em que a carta era estampada na
coluna de Mônica Bergamo, o site do jornal O Estado de S. Paulo
apresentava uma entrevista com o deputado Baleia Rossi, um dos que
figuram como indicadores do candidato a diretor de Planejamento e de
Assuntos Estratégicos da Codesp. Rossi, que é presidente da seção
paulista do PMDB, afirmava, sobre a atual crise: “É preciso que haja
alguma reação por parte do governo, e o PMDB fez sugestão clara de
redução de ministérios, que viria com corte de 38 para vinte”. O comum
das pessoas, indagadas sobre o que vale mais, se um ministério ou uma
boca na estatal que gere as docas de Santos, responderia que é um
ministério. O deputado Baleia Rossi fazia a opção contrária. Ministérios
ele descartava aos montes, enquanto defendia a boca na estatal.
Daí se extrai a primeira lição: recomenda-se
cautela com a conversa de redução de ministérios. Reduzir ministros é
bom sem dúvida para fins de mais facilmente decorar seus nomes,
harmonizar suas posições e conseguir alojá-los todos numa mesma mesa.
Mas o mal que corrói as vísceras da política e da administração pública
brasileira está mais embaixo, na massa de 23 000 cargos federais de
livre nomeação. Cortar ministérios sem avançar sobre eles, atacando-os
aos milhares, profissionalizando-os ou extinguindo-os, equivalerá a
fazer uma operação plástica num organismo que exige intervenção nos
órgãos vitais.
A segunda lição é: recomenda-se cautela com as
expectativas geradas pela Operação Lava-Jato. Crimes vêm sendo
denunciados e seus autores punidos, mas os motores que permitiram aos
governos do PT levar a corrupção a inéditas alturas continuam em
funcionamento. Os cargos seguem abertos à traficância. Campanhas
alimentadas por somas escabrosas continuam garantidas, e até, a depender
da Câmara de Eduardo Cunha, reforçadas, com a elevação a preceito
constitucional da permissão da contribuição empresarial aos partidos.
Revelam-se vãos tanto o exemplo do tráfico de cargos na Petrobras
quanto o ensinamento de que contribuições de campanha são empréstimos, a
ser cobrados com juros (apud Paulo Roberto Costa).
Da derrubada de Collor pensou-se que surgiria um país mais decente.
Idem do escândalo dos Anões do Orçamento e idem do mensalão. A cada uma
de tais monstruosas roubalheiras, no entanto, seguiu-se uma maior. Em
pleno julgamento do mensalão, aprimorava-se o petrolão. Agora, em pleno
curso da Operação Lava-Jato, prossegue o mercado dos cargos. Semeia-se o
terreno para o próximo escândalo.EXTRAÍDADECOLUNADEAUGUSTONUNESOPINIÃOVEJA
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