por Ruy Castro Folha de São Paulo
Os antigos serviços de espionagem recomendavam que, em meio a uma
guerra, não se mandassem mensagens por escrito, principalmente nas
linhas de frente e às vésperas de uma batalha. Se isso fosse inevitável,
o destinatário da mensagem, depois de lê-la, deveria engoli-la. Se ele
fosse capturado, revistado por fora e por dentro, e o papelucho,
encontrado, o que restasse dela já estaria ilegível.
Já um amigo meu, o falecido Ivan Lessa, quando lhe perguntavam por que
não escrevia o grande romance da sua geração –ele que, potencialmente,
era o maior escritor brasileiro–, respondia: "O importante não é
escrever, e sim tomar notas".
Mas só dizia isso para que o deixassem em paz. Na verdade, Ivan não
escrevia, nem tomava notas. Temia que, se tomasse notas e alguém as
descobrisse, a partir delas tentariam obrigá-lo a escrever.
Marcelo Odebrecht, dono da maior empreiteira do país e preso pela
Operação Lava Jato, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e formação
de organização criminosa, desconhecia tanto aquela regra básica da
espionagem quanto a sábia atitude de Ivan Lessa. Passou os últimos anos
registrando por escrito tudo que pensava, fazia e mandava fazer –ou
desfazer– e com quem, onde, quando e por quanto.
Na convicção de que só vale o escrito, usou blocos de anotações,
memorandos, e-mails, anexos, recados no celular, mensagens de texto e o
que mais existe para uma pessoa se comunicar. O problema é que a maioria
dessas mídias não pode ser engolida depois de lida a mensagem. E não é à
toa que tais mídias sejam digitais –equivalem às impressões que se
deixam com os dedos na cena do crime.
Por falar em dedos, os parceiros de Odebrecht têm razão de ficar
preocupados. Arriscam-se a ser apanhados apenas porque o generoso
empresário achava que era importante tomar notas.
extraídaderota2014blogspot
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