, por Carlos Alberto Sardenberg O Globo
A mudança brasileira foi a delação premiada. O sujeito confessa, indica a conta, e o banco dá a sequência do dinheiro
O governo chinês informou: de 2012 até aqui, recuperou US$ 6,2
bilhões que haviam sido roubados por “centenas de milhares” de
funcionários e membros do Partido Comunista. Isso dá pouco mais de R$ 19
bilhões, valor desviado apenas da Petrobras, segundo estimativas dos
procuradores da Lava-Jato.
A campanha anticorrupção na China é uma iniciativa do presidente Xi
Jinping, aplicada pela temida Comissão Central para Inspeção
Disciplinar. Trata-se de uma ditadura, de modo que eles frequentemente
passam por cima do que chamam lá de formalidades judiciais — isso de não
poder prender sem uma consistente acusação formal ou de precisar de
processo para recuperar o dinheiro roubado.
Claro que isso permite ao governo escolher seus alvos, transformando o
combate à corrupção em ação política para apanhar adversários. Por aqui,
a Lava-Jato segue nos termos da lei e da democracia. Não foi politizada
nem instrumentalizada por grupos ou partidos. Ainda bem.
O método chinês vai mais rápido. Sabe aquela situação na qual todo mundo
sabe que fulano está roubando, mas ainda não deu para dar o flagrante?
Pois é, lá na China a Comissão Disciplinar pode prender e, então,
sabe-se lá com quais pressões, procura as provas.
Aqui, muita gente ainda diz que a Lava-Jato frequentemente avança o
sinal. É que não sabem como se faz nas ditaduras. A Lava-Jato vai muito
depressa em comparação com os velhos padrões brasileiros — quando as
“formalidades judiciais” garantiam a impunidade.
Era assim: o sujeito trabalha numa estatal ou no governo ou no partido
do governo e está associado a uma consultoria privada; a empresa tal
ganha um contrato com a estatal e faz um pagamento à consultoria
privada. Diziam os envolvidos e pegava: são contratos separados, coisas
diferentes, com coincidência fortuita de pagamentos. Qual é?
Vai um advogado dizer isso hoje para o juiz Moro.
Por outro lado, há uma novidade histórica que devemos ao governo
americano. Na busca do dinheiro do terrorismo e do tráfico, as
autoridades dos Estados Unidos simplesmente acabaram com o sigilo fiscal
e bancário lá e no mundo.
Quer dizer, não acabaram propriamente. Mas se criou uma legislação, hoje
universalizada, que torna mais simples e rápido quebrar sigilos quando
há fundadas suspeitas, descobertas nos termos da lei.
Era praticamente impossível achar uma conta de um banco suíço. Hoje é
até fácil. Os banqueiros têm pavor de serem acusados de acobertar
fortunas roubadas ou do tráfico.
A mudança brasileira foi a introdução da delação premiada. O sujeito
confessa, indica a conta em que recebeu e o banco dá a sequência do
dinheiro.
Tudo considerado, duas observações: primeira, o método chinês vai mais
rápido, mas o método Lava-Jato é mais seguro para as pessoas e as
instituições; segunda, e terrível para nós, a roubalheira aqui foi maior
que na China, cuja economia é quatro vezes maior.
Reparem de novo: depois de três anos de dura campanha, os chineses
recuperaram o equivalente a R$ 19 bilhões. Dado o sistema deles, é
provável que já tenham apanhado a maior parte da corrupção. Ora, só na
Petrobras, os procuradores acreditam ter havido roubo de R$ 19 bilhões,
dos quais R$ 6 bi já admitidos formalmente pela estatal, em balanço. E
está começando só agora a fase do setor elétrico, o segundo da lista.
Conclusão: estamos apanhando aqui os maiores escândalos corporativos do
mundo. No sistema formal, demora mais para recuperar a propina
distribuída, mas a coisa está andando nessa direção.
Finalmente, há outro ponto em comum. Aqui e na China, a corrupção começa
no governo e suas estatais, nas tenebrosas relações com empresas
privadas.
A presidente Dilma andou dizendo que a Lava-Jato subtraiu um ponto percentual do PIB.
Nada disso. A corrupção estatal/privado subtraiu muitos pontos ao gerar
desperdício, perdas e ineficiências. Ou seja, o combate à corrupção
precisa de um complemento: uma ampla privatização e um bom ambiente de
negócios para quem quer ganhar dinheiro honestamente — um sistema
impessoal que privilegie a eficiência, a competitividade, a
produtividade.
Enquanto conseguir uma vantagem qualquer em Brasília for mais barato e
mais fácil do que investir no negócio para ganhar produtividade, o país
não vai crescer. Nem será justo.
extraídaderota2014blogspot
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