Nas discussões sobre medicina no Brasil, persiste o mito de que, se o governo deixar a mão do mercado atuar livremente, as faculdades abrirão vagas sem limite e os médicos esquecerão dos brasileiros mais pobres.
A ideia tem pouco fundamento; uma das tendências mais festejadas da
medicina hoje são justamente as clínicas populares para atender pobres
cansados da ineficiência dos hospitais públicos. Uma delas, a cearense
SIM, que faz consultas por R$ 60, planeja abrir 63 unidades no Norte e
no Nordeste até 2019.
Mas a crença de que é preciso controlar o mercado alimentou uma
intervenção pesada do governo Dilma na formação dos médicos. Desde 2013,
faculdades de medicina não podem abrir vagas como desejarem ou como
indicarem seus estudos de mercado. Precisam esperar que a Autoridade
abra editais e decida quais regiões têm carência de médicos e poderão
abrir cursos.
Na semana passada, essa intervenção se estendeu para as especialidades
médicas. Um decreto de Dilma dá ao Ministério da Saúde o poder de
“dimensionar o número de médicos, sua especialização, sua área de
atuação e sua distribuição em todo o território nacional”. Veja só: a
presidente deu a um grupo de burocratas de Brasília o poder de decidir a
quantidade de médicos numa nação de 200 milhões de pessoas.
Uma lição que o último século ensinou repetidas vezes é que não vale
muito a pena confiar no planejamento central. Por mais benevolente e
iluminado que seja o planejador, ele não consegue se atentar a todos os
movimentos e necessidades de milhões de pessoas dispersas pelo país.
Na União Soviética, burocratas achavam que poderiam calcular a demanda
de roupas, sapatos ou quilos de farinha e ainda determinar preços de
milhões de produtos. A pretensão resultou em filas eternas para obter
coisas simples como pão ou sapatos.
No Brasil, temos problemas em todas as áreas que deixamos na mão do
planejador benevolente: a manutenção do poder de compra da moeda, a
gerência da demanda de energia elétrica e até o suprimento de água, um
bem abundante por aqui.
Não se trata de culpar um ou outro político, mas admitir que o sistema é
complexo demais para um órgão central tentar coordená-lo. Isso fica
claro no transporte coletivo. Toda semana abrem e fecham escolas,
igrejas, empresas, fábricas, casas de shows. Surgem eventos e
necessidades de transporte diferentes para bairros ou ruas específicas.
Só os próprios agentes dispersos no sistema conseguem detectar
necessidades das pessoas ao redor e abrir negócios para satisfazê-las.
Mas o planejador central proíbe iniciativas livres no transporte
público, com a pretensão de que ele, e somente ele, é capaz de ordenar o
sistema. Não daria certo nem se o planejador fosse um gênio da
logística.
Agora o governo quer levar esse modelo para a medicina, e ainda tem gente que elogia a medida. “Já
passou da hora de o governo federal assumir para si a responsabilidade
de planejar e gerir os recursos humanos em saúde”, disse a jornalista
Cláudia Collucci, da Folha.
É interessante imaginar uma decisão semelhante para o jornalismo. Ora,
há jornalistas especializados demais nas grandes cidades do Sul e do
Sudeste. Precisamos obrigar alguns deles a trabalhar em jornais de
bairro de Osasco e do interior do Amazonas. Seria um atentado à
liberdade, não?
O aumento da burocracia do começo do governo Dilma já está travando a
inovação na saúde. Em 2010, a Anvisa deixou de aceitar certificações
internacionais, como a do FDA, a Anvisa americana, para aprovar a
importação de equipamentos médicos. Mas os burocratas da Anvisa demoram
em média quatro anos para certificar equipamentos. Por causa da demora,
um hospital interessado em trocar um aparelho de ressonância é impedido
de importar máquinas de última geração. Só pode comprar a que foi
lançada há quatro anos, que já tem a certificação da Anvisa.
Entraves como esse devem se espalhar pela formação dos médicos. O
problema vai estourar justamente quando a população estiver envelhecendo
e precisando de serviços de saúde. O triste é que, quando isso
acontecer, os planejadores benevolentes vão culpar a mão do mercado, e
não o excesso de regulação, pelos problemas da medicina no Brasil.
extraídaderota2014blogspot





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