editorial da Folha de São Paulo
Como se o Poder Judiciário habitasse um mundo à parte, no qual as privações econômicas e o ajuste das contas públicas são um mito, os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram elevar o valor das diárias que recebem quando precisam viajar a trabalho.
Desde janeiro, o STF desembolsa R$ 1.125 para custear alimentação,
hospedagem e locomoção de seus integrantes em viagens domésticas. A
cifra representa acréscimo de 83% em relação aos R$ 614 vigentes em
2013. No caso de deslocamentos ao exterior, o montante passou de US$ 485
para US$ 727 (cerca de R$ 2.300), aumento de 50%.
Também houve reajuste na remuneração extra de juízes auxiliares,
analistas e técnicos judiciários, que ganham, respectivamente, 95%, 55% e
45% dos valores destinados à cúpula da corte.
Já se imaginava, e era possível lamentar por antecipação, que a canetada
do Supremo não ficaria sozinha –e de fato não ficou, como mostrou
reportagem do jornal "O Globo" publicada nesta terça (31).
O gesto do STF foi imitado pelos demais tribunais superiores, pelos
tribunais regionais federais, pelas varas federais e do trabalho e, para
piorar, pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão que deve planejar e
fiscalizar as ações do Judiciário.
Verdade que gastos nessa escala tornam-se quase invisíveis diante das
dezenas de bilhões de reais que o país tem de poupar. As despesas com
viagens limitam-se a poucos milhões, quantia que, ao menos do ponto de
vista do ajuste econômico, não é mais que simbólica.
É também simbólico, de todo modo, que seja esse o exemplo dado pelos
tribunais. Por que um ministro precisa consumir tantos recursos
públicos? Não é difícil orçar viagens a um custo bastante inferior ao
das diárias do Supremo.
Mesmo em conjuntura menos conturbada, faria sentido despender R$ 31.188
(sem contar passagens aéreas) para o ministro Ricardo Lewandowski ficar
de 11 a 25 de fevereiro na Europa, onde se encontrou, entre outros, com o
papa Francisco e a rainha da Inglaterra?
Por falar em símbolos, embora quatro dias de trabalho não possam zerar a
fila de processos na Justiça, cabe perguntar por que os tribunais
superiores cancelaram os julgamentos durante esta semana. Para a maioria
dos brasileiros, apenas sexta-feira é feriado.
Enquanto se discute que contribuição cada setor da sociedade pode dar
para tirar o país do atoleiro, membros do Judiciário tratam de garantir
sua boquinha. O mau exemplo parte da mais alta corte, e as demais,
talvez invocando um cínico "princípio da mordomia isonômica", preferem
se igualar no vício a lutar por mais virtude.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014
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